Desfile de blindados fumacentos em meio à crise institucional aberta mostra o que está em jogo
Em 9 de agosto, começava uma semana de fúria legisferante na Câmara dos Deputados e no Senado Federal com a votação de Projetos de Lei, Medidas Provisórias e Propostas de Emenda Constitucional, enquanto o Supremo Tribunal Federal expedia inquéritos para graúdos (Bolsonaro e ministros) e ordens de prisão para miúdos (Roberto Jefferson).
Na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia, se expuseram novos negócios mafiosos de coronéis e políticos apaniguados do governo.
Os trabalhadores, na Câmara, tomaram no lombo a MP 1045 de redução de jornada e salários e suspensão de contratos, mas sem qualquer resistência organizada. As centrais sindicais, na verdade, em uma nota se limitaram a pedir ao “Senado que a MP nº 1.045 restrinja-se ao seu objeto inicial” – aquelas reduções -, questionando apenas alguns “jabutis” desregulamentadores de última hora que tentam recriar a carteira verde-amarela (vagas para jovens sem direitos, fim de jornadas de trabalho específicas etc.).
Mas a cena que ficará deste agosto, mês do cachorro louco, será a micareta dos blindados, dia 10, desfilando em Brasília na frente dos comandantes das três armas perfilados com o “comandante-em-chefe”, o bufão Bolsonaro, para convidá-lo a um “exercício anual”. Não mais que uma centena de bolsonaristas aplaudiam da calçada. Os chefes dos outros poderes convidados, o Judiciário e o Congresso, não vieram. O vice-presidente, general Mourão, que não foi convidado, na hora se reunia com um angustiado Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. A parada extemporânea serviu para expressar o intento do aspirante a bonaparte se impor sobre a “harmonia dos poderes” em frangalhos.
O Senado impactado, no clima do dia votou sem emendas um PL que vinha da Câmara revogando quase toda Lei de Segurança Nacional, acrescentado de pontos garantistas, mas cujo relator (Rogerio de Carvalho, do PT) acredita que vá ser vetado por Bolsonaro.
Tudo porque naquele 10 de agosto, em choque com o TSE, o presidente da Câmara, Lira, fazia votar o projeto de “voto impresso” para voltar às seculares fraudes dos caciques locais. A previsão era votar em seguida a troca do sistema eleitoral proporcional pelo do “distritão” majoritário, o preferido dos grandes caciques. Sobre um parlamento assim recomposto, Bolsonaro e família pretendiam reinar com os generais, sustentados no patronato – é o plano.
O bufão perdeu ambas as votações. Ao preço de R$ 1,03 bilhão do Orçamento liberados na véspera para emendas individuais dos nobres deputados, sobretudo comprados nos partidos do “centro” (o PSDB, o MDB, até o PSB).
Houve um desgaste da imagem das Forças Armadas no país e da sua classe dominante no mundo; em Washington, um diretor do State Departement de Biden, declarou um inusual aval às atuais regras eleitorais. Que dia!
A crise segue – “poder moderador sabe o que é bom”?
Os mais reacionários, sem “distritão”, todavia se acomodaram à aprovação da “volta da coligação proporcional”, uma regra que caroneia eleitos com poucos votos nos pequenos partidos do mercado, graças a coalizões por cima com os partidos maiores, e anula de fato a cláusula de barreira que retiraria o fundo eleitoral de metade das 33 agremiações. As bancadas do PT e do PSOL negociaram a “coligação” no acordo de líderes para enterrar o “distritão”; a bancada do PCdoB já tinha votado o “distritão” na noite anterior na Comissão… em nome da própria preservação.
Os eleitores ainda não entenderam tudo o que se votou, mas talvez nem valha a pena o esforço, pois o Senado, diz a mídia, vai rejeitar a “coligação proporcional” (que vantagem maria leva, senador é majoritário, não é verdade?). O saldo dessas manobras às costas do povo, num congresso que “se acha” constituinte, só engrossa o caldo de Bolsonaro. Ele chamou os comandantes militares ao “poder moderador das Forças Armadas, quer sejam ameaças internas ou externas. Nós sabemos o que é bom e justo para nosso povo” (Valor, 13/08), ou seja, chamou ao exercício da tutela militar prevista no artigo 142 da Constituição.
Seguindo no plano, ele convocou os bolsonaristas em geral – com apoio no agronegócio e entre os caminhoneiros – a comparecerem ao desfile militar do 7 de setembro. Ele continua ameaçando trapacear as eleições do ano que vem, enquanto, também parte do plano, vai adotando duras medidas contra o povo hoje mesmo dentro das regras atuais no interior destas instituições podres.
A gravidade da crise é que Bolsonaro segue na sua aventura em geral, e pelo voto impresso em particular, que “perdeu”, mas mostrou que não há 2/3 na Câmara para votar o impeachment. A burguesia constrangida e dividida, lucra com a retirada de direitos e as privatizações. Na maior parte, fica dando voltas na lâmpada de uma candidatura de 3ª via contra Lula e Bolsonaro, como diz, em outubro de 2022. Até lá, parece que a marca seguirá sendo a tibieza da oposição institucional. Contudo, não se deve menosprezar tanques que são fumacentos, mas bons para matar pretos no Haiti e pobres nos morros.
Quanto antes os partidos populares, centrais sindicais e movimentos decidirem engajar toda a força para dar fim ao governo com jornadas de luta e paralisações, mais rápido se livrará o país da ameaça. A nota oficial do PT de ontem, dia 13, meio que apoia tudo, mas destaca mesmo a coleta de alimentos para distribuição no dia 4 (!?) e ignora a questão militar. Não parece consciente do que está em jogo.
A questão principal
Cedo ou tarde uma Constituinte Soberana dará conta de refundar as instituições da República com justiça social e soberania nacional, com um novo governo, e Lula Livre.
Na próxima semana, quarta-feira, dia 18, há uma jornada de luta com paralisações e atos para derrotar a Reforma Administrativa (PEC 32), convocada pelas organizações da categoria. Ela tramita há um ano, mas Lira agora corre para entregá-la ao chefe e ao mercado, no limite do mês que vem.
Essa luta é, agora, a questão principal para um desenvolvimento favorável da situação para o povo, por baixo, para além do imprevisível curso da crise por cima, pois começa a introduzir um novo ator na cena dos atos de rua, o trabalhador organizado, ainda antes da nova jornada do Fora Bolsonaro dia 7 de setembro.
“Quem espera nunca alcança”, dizia uma canção dos anos de chumbo. O Diálogo e Ação Petista está engajado como jamais, com todos aqueles que estão dispostos a não aguentar mais, a trama de Bolsonaro com seus generais.
14/08/21, Markus Sokol