Chile: pontos para uma análise dos resultados eleitorais de 7 de maio

Por Mário Villanueva, da Coordenadora “No más AFPs”

Dos 15.150.572 chilenos/as habilitados a votar, mais de 5 milhões (mais de 1/3), de uma ou outra forma, expressaram seu mal-estar e rechaço ao processo constitucional imposto pelo Congresso por uma deslegitimada elite dominante.

Desses 15 milhões, apesar do voto obrigatório, 3 milhões não foram às urnas. Mais de 2,1 milhões, chegando a 17%, votaram nulo, expressando de forma categórica seu rechaço aos candidatos e partidos que impuseram esse acordo (ter em conta que em 4 de setembro passado o voto nulo só alcançou 1,54%). Aos nulos se somaram 568 mil pessoas (4,55%) que votaram em branco.

A soma de nulos e brancos alcança 2.680.000 votos (21,53%), muito mais do que conseguiram vários dos partidos políticos presentes no Congresso e que todos os dias tem seus representantes ocupando os meios de comunicação.

Algumas conclusões
1.- O que marca esta eleição em primeiro lugar é a reafirmação do mal-estar do povo, expressado no estalido social de 2019, no plebiscito de 2020 (quando 78% disse Nova Constituição) e no resultado do plebiscito de 4 de setembro passado (rechaço a toda a institucionalidade), dentre outras manifestações.

Um mal-estar contra uma institucionalidade que se retroalimenta e está cheia de privilégios e um modelo neoliberal imposto pela ditadura e continuado pelos governos posteriores, que atacou direitos fundamentais (aposentadoria, saúde, educação, moradia, trabalho, dentre outros) e são os principais responsáveis pelo surgimento dos problemas de segurança, narcotráfico, bandos criminosos, imigração, alta do custo de vida, endividamento, dentre os principais.

2.- Em segundo lugar se observa o crescimento do populismo de ultradireita, com componentes neofascistas, representado pelo Partido Republicano. Estes, junto com a direita tradicional, dão um passo a mais na restauração conservadora e terão agora o controle total do processo e escreverão a proposta de novo texto constitucional.

Diante da reiterada falta de respostas, do abandono de programas e compromissos e da conciliação com a direita e o empresariado por uma parte da esquerda, partidos progressistas e a ex-Concertação (aliança PS e Democracia Cristã), a gente, cansada de promessas não cumpridas, acaba sendo seduzida pela ultradireita, esperando iludida encontrar ali a solução de seus problemas.

3.- Em terceiro lugar, reafirma-se o fato do total domínio dos meios de comunicação por parte do poder econômico e a direita, bem como a falta total de pluralismo e equanimidade com que atuam para impor conteúdos favoráveis, ideias e temas, candidatos, fake news, etc, que lhes permitam manter a institucionalidade jurídico-política que preserve seus interesses e privilégios. Reafirma-se que no Chile não há igualdade para exercer uma verdadeira liberdade de expressão.

4.- Com esses resultados, somados à atitude conciliadora do governo e do oficialismo com a direita e o empresariado, se vê como muito difícil que se possa levar adiante as reformas prometidas. Especialmente a tributária, política nacional do lítio e aposentadorias, as quais só serão factíveis se o governo mudar sua atitude e se consiga gerar uma potente mobilização social que as impulsione.

O caso particular da reforma das aposentadorias é a “crônica de uma morte anunciada”. A direita já havia imposto condições diante das quais o governo foi cedendo e abandonando inclusive o pouco que havia de positivo em sua proposta, agora se sentirá respaldada para impor a manutenção da capitalização individual e a essência do sistema de AFP (fundos de pensão privados) maquiado. Diante disso cabe perguntar se vale a pena seguir cotizando nas AFPs para receber pensões miseráveis, enquanto seus donos, grupos econômicos e seguradoras, obtém grandes lucros e benefícios às custas das poupanças dos/as trabalhadores/as.

5.- Cometeriam um grave erro aqueles que não olhem de forma objetiva para a realidade e queiram culpar o seu mal desempenho a quem, exercendo sua dignidade e seu direito, votou nulo ou branco como forma de manifestar seu rechaço a um processo espúrio.

O voto republicano [partido de Kast, pinochetista] cresceu, não por causa do voto nulo ou branco, mas por falta de solução às demandas e pela desilusão diante da conciliação e a submissão às pressões da direita. Quando se negocia com a direita, é a direita que ganha.

6.- Como manifestou-se várias vezes e agora ainda com mais razão, o texto constitucional que se pretende escrever não será outra coisa senão a atual constituição “aggiornada” (atualizada), ou dito de outra forma, a constituição de Pinochet e Jaime Guzman 2.0. Não se deve esquecer que José Antonio Kast (líder populista ao estilo Trump e Bolsonaro) e os republicanos estavam contra mudar a atual carta fundamental elaborada pela ditadura.

7.- Finalmente, o que se coloca na ordem do dia são duas questões:
a) gerar a mais ampla unidade e convergência da gente de esquerda, movimentos sociais e forças progressistas, para votar contra o projeto de constituição conservadora no plebiscito de dezembro;

b) ativar as organizações e retomar a mobilização para defender e recuperar direitos sociais e junto com as lutas pelas reivindicações do povo, construir alternativas e propostas para convergir num programa que possibilite conquistar um verdadeiro processo constituinte participativo, para escrever uma nova constituição que abra caminho às mudanças estruturais que o país requer com urgência.

Santiago, 8 de maio de 2023

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