Contribuição para discussão da nova situação depois da reeleição de Dilma

Reunião do Comitê Nacional Diálogo e Ação Petista – sede nacional do PT. São Paulo, 08 de novembro de 2014

Mais de 1.000 empresários reunidos no dia 5 de novembro, vaiando um ministro do governo federal acusado de “bolivarianismo”, são um sinal: a reação não vai dar trégua!

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores que se reúne nos dias 28 e 29 de novembro tem uma grande responsabilidade. O Diálogo e Ação Petista – um fórum aberto aos setores decididos a resgatar o petismo no PT – apresenta neste texto a sua contribuição ao debate nos diretórios convocado pela Executiva Nacional.

A reeleição de Dilma sendo uma vitória da militância do PT, dos movimentos populares e de trabalhadores, com uma repercussão continental, depois das eleições na Bolívia e a simultânea no Uruguai, é também uma derrota do imperialismo que se engajou efetivamente na disputa.

Nesse sentido, esta eleição é comparável à polarização de 1989, com recursos golpistas da reação, mesmo se o país e o PT não os mesmos. Mas há uma nova situação do país, onde, à escalada ofensiva da oposição pró-imperialista se contrapõe a resistência das massas populares.

Um jornal porta-voz do mercado financeiro resumiu: “uma guerra por um mercado de 200 milhões.” Em sentido figurado, mas num mundo onde se generalizam guerras produzidas pela crise do sistema capitalista.

UM RESULTADO ANGUSTIANTE E HERÓICO

Quarta vitória consecutiva da candidatura presidencial do PT é um resultado “inédito no Brasil”, como diz a resolução política da CEN de avaliação das eleições. E também é raro no mundo hoje em dia, apesar de tudo (“alianças”, frustrações etc.) para um partido de trabalhadores.

Mas os resultados dos 2º turnos das quatro últimas eleições revelam um quadro angustiante:

Lula x Serra Lula x Alckmin Dilma x Serra Dilma x Aécio
2002 2006 2010 2014
PT 45,81% 46,30% 41,05% 38,16%
PSDB 28,95% 29,82% 32,19% 35,74%
Branco, Nulo e Abstenção 25,24% 23,89% 26,76% 26,10%
Total Eleitores 100% 100% 100% 100%
  • Dilma eleita por 3,5 milhões de votos de diferença, todavia não ganhou no “cinturão vermelho” em São Paulo, em 53 dos 89 municípios com mais de 200 mil eleitores (e em 100 dos 179 com de 75 mil a 200 mil eleitores), para liderar 3410 das 5297 pequenas cidades com menos de 75 mil eleitores (Folha de São Paulo de 27.10.14).
  • O PT teve reduzida a sua bancada no Senado em quase 15%, na Câmara de Deputados diminuiu em 19% (de 86 eleitos em 2010 para 70 em 2014) e nas Assembleias Legislativas recuou em 27 % (de 148 eleitos em 2010 para 108 em 2014).

Todavia, trata-se no conjunto de uma vitória popular. O próprio PT, apesar de uma sanção da sua base, segue sendo o partido mais votado e com a maior bancada de deputados federais assim como é o partido mais votado para deputado estadual. O PT também ampliou o peso populacional e econômico dos Estados que governa além de reeleger a presidente.

Mas, apesar das conquistas sociais dos últimos anos (reajuste real do salário-mínimo em mais de 70%, os programas sociais etc.) é uma vitória que não elimina as contradições tal como a frustração com os serviços públicos de transporte, saúde e educação precários, a paralisia da reforma agrária e a desigualdade social que continua enorme.

Frustração em parte transformada em hostilidade, depois que nos brutais ataques contra o partido, como a Ação Penal 470 quando a direção do partido, orientada para “virar a página”, não respondeu em tempo e hora, enquanto a mídia e a reação se empenhavam em encenar a prisão de dirigentes históricos condenados sem provas.

E não terminou: usando a brecha, agora, vão continuar e aprofundar, utilizando denúncias na Petrobras!

A inequívoca vitória eleitoral presidencial do PT contrasta com a derrota eleitoral parlamentar do partido, mas é perigoso opor a vitória presidencial à derrota partidária, separando dois termos de uma equação que são inseparáveis. É a oposição e o “mercado”, além de certos “aliados” que na sua ofensiva antipetista buscam separar Dilma de um PT “enfraquecido” para exigir que aplique as propostas dos derrotados.

Trata-se de avaliar a política da direção de adaptação às instituições apodrecidas, responsável principal pelas derrotas, em particular as opções simbolizadas na “política de alianças” que, desde 2002, diminuíram a bancada federal dos 91 então eleitos para os 70 atuais e agora fizeram com que o PT nos Estados, apesar de ser também o mais votado, tenha apenas a segunda bancada estadual (abaixo do PMDB) devido às coligações.

Na verdade, a vitória nas condições deste ano não resolveu por si mesmo nenhum problema do PT. Ao contrário, agravou a crise no seu interior e com a sua base social, como já vimos no PED 2013 (inclusive a queda de participação).

E só foi uma vitória porque o grosso dos trabalhadores soube escolher “heroicamente” o melhor cenário para continuar a sua luta. Rechaçou as falsas saídas e candidatos “alternativos” no 1º turno e recusou também a pregação do voto nulo e branco, em particular no 2o turno, quando confluíram às ruas os velhos e novos militantes de diferentes horizontes ao redor do eixo de unidade que só o PT podia oferecer para derrotar a reação.

A QUESTÃO CENTRAL

Os militantes têm fundadas razões para duvidar se a direção do partido e o governo entenderam o recado das urnas e o papel da militância e da juventude neste resultado eleitoral.

A instigante resolução política da CEN é, não obstante, omissa sobre a questão crucial da “coligação” (aonde devia indicar a ruptura do “acordo nacional com o PMDB” que como partido não fez campanha para Dilma).

Assim, de um lado, preocupa que o Banco Central já na primeira semana aumente para 11,25% os juros, o que aumenta a dívida pública e eleva o superávit fiscal primário para pagá-la em prejuízo dos serviços públicos, “estabilizando” a economia como quer o “mercado”, a oposição e parte dos “aliados” – é o programa dos derrotados.

Mas, de outro lado, a presidente não pareceu recuar quando o presidente do Senado, o “aliado” Renan (PMDB), opôs o referendo da reforma política ao plebiscito: Dilma sublinhou que devem “desaguar na Constituinte”, cujo Plebiscito também foi reafirmado pela corretamente pela CEN.

E esta é a questão central!

O governo, como todos os governos e – em particular os do continente – teve a sua margem de manobra estreitada pela crise capitalista mundial. Agora com a queda dos preços das “commodities” e a reviravolta na política de juros do FED (Banco Central dos EUA) que aumentam no curto prazo a pressão sobre a economia nacional.

Se, como disse a presidente em junho de 2013, quando já se desenhava esse cenário, que “para dar mais é preciso mudar as instituições”, ainda mais o é agora!

Ela deve avançar e o PT, decididamente, defender a reforma do sistema político através de uma Constituinte convocada por um Plebiscito: a “mãe de todas as reformas” para libertar a nação e compor um governo com esse compromisso.

Em última instância e sem desprezar outros aspectos, estes são os termos da questão central colocada.

MUDANÇA!

A presidente não deve pretender governar acima e independente das classes. As eleições mostraram a divisão que realmente existe, a luta de classes. E as organizações dos trabalhadores, que estão de pé, não aceitarão um governo antipopular respaldado ou imposto à presidente pela maioria congressual.

Sim, pois o novo Congresso é “o mais conservador desde 64”, como explicou o DIAP. E a presidente, se não buscar apoio no povo organizado, estará fragilizada, ainda mais prisioneira da “coalizão” no fragmentado balcão de negócios.

E para esse apoio precisa dos trabalhadores, em particular das fábricas, penalizados pela política de desonerações fiscais que, apesar da baixa do desemprego em geral, não impediu o desemprego industrial pois a indústria vem fechando postos de trabalho.

MUDANÇA é combinar uma política de reindustrialização e defesa da economia nacional baseada na derrubada dos juros exorbitantes, acompanhada pela centralização do câmbio como instrumento para o desenvolvimento, livre da manipulação do mercado internacional e das “agências de risco”.

MUDANÇA é abandonar o superávit fiscal primário, causa do atraso da renegociação da dívida dos Estados e municípios com a União que só agora o Senado votou. Uma herança do acordo imposto pelo FMI na era FHC.

Quando, na eleição, se cobravam os governadores e prefeitos petistas ou se reclamava que eles “não ouvem” os movimentos, era disso que se falava. Eles estavam contra a parede: em S. Paulo, a dívida que era de 53 bilhões em janeiro de 2013, já é 62 bilhões, apesar de pagar 4 bilhões por ano; Rio Grande do Sul parecido, etc.

NOVA SITUAÇÃO NO PAÍS

O PT (e o governo) precisa alçar-se à situação que se abriu com a “crise de regime” que eclodiu com a juventude nas ruas junho de 2013 – há uma nova situação no país.

E depois destas eleições, na verdade, se ampliou o fosso que então apareceu entre as instituições e o povo, entre a representação e os representados. Rapidamente, se verá que “com este Congresso não dá”, ainda mais!

Nesta situação de crise, “em cima” há enorme dificuldade para “governar como antes” – o presidencialismo de coalizão está em questão e a crise já atravessa o comportamento das classes e da juventude com suas representações radicalizadas no contexto.

O segundo governo Dilma deve ser analisado neste cenário, que não é o de 2010 em vários aspectos.

É importante o comportamento ofensivo, no limite do golpismo, de parte da oposição parlamentar provocando no 2º turno e depois, a mobilização dos “de baixo”, como se viu na juventude, não é causa, é a consequência da luta de classes antes engajada.

Por tudo isso, no segundo governo de Dilma a questão da Constituinte ganha muito mais atualidade como saída política democrática.

O Plebiscito Popular da Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político, conquistando quase 8 milhões de votos, incidiu na disputa e ajudou ao amplo movimento pelo voto Dilma para derrotar o candidato da reação. A candidata à reeleição dialogou e integrou essa campanha para sua vitória, o que a presidente reeleita não pode agora abandonar, sem um grande desgaste justo ali onde tem de obter apoio.

PLEBISCITO OFICIAL DA CONSTITUINTE

O Plebiscito Popular gerou, a partir daí, a proposta de um Plebiscito Oficial da Constituinte Soberana e Exclusiva da reforma política. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 1508/14 é seu instrumento jurídico-institucional.

Na situação, a Constituinte aparece hoje como mais necessária depois das eleições, embora possa parecer (para setores da vanguarda social) mais difícil arrancá-la desse Congresso. Da mesma forma ficou também ressaltada a urgência da regulamentação democrática da mídia.

Mas, na verdade, tudo depende essencialmente – ainda mais agora – da atitude da presidente reeleita em relação ao apoio que dispõe inclusive parlamentar, pois apesar de contradições e indefinições ao longo da campanha, ela mesma o indicou no discurso de vitória.

No fim, o que conta é que a questão aparece muito mais ao alcance da mão de um trabalhador hoje, do que há seis meses. Vem daí as interrogações sobre as condições práticas, as regras para uma eleição constituinte. É preciso responder com clareza a este questionamento. Tanto para combater ameaças de confisco da vitória do Plebiscito, quanto para não gerar frustrações populares depois, numa outra hipótese.

Só uma Constituinte Soberana pode fazer uma verdadeira Reforma Política.

A Constituinte Soberana e Exclusiva da reforma política não pode ser este congresso bicameral, corrupto e de representação distorcida – na hipótese dele se arvorar a fazer a reforma via projetos de lei e/ou submetê-la via decreto legislativo a referendo – mas a Constituinte também não pode ser outra câmara eleita pelas mesmas regras de representação desproporcional, de financiamento e de voto.

Também não é solução só abolir (ou mitigar) o financiamento empresarial e introduzir a paridade de gênero.

O primeiro, porque só foi introduzido após a queda de Collor para “moralizar” o sistema que já era um corrupto balcão de negócios, via “caixa dois”, que assim voltaria. E o segundo, porque o problema do arremedo de democracia no país, não é apenas a questão da sub-representação de certos segmentos, mas um problema de falta de representação proporcional do povo inteiro, em benefício de uma oligarquia odiosa.

É necessário, portanto, garantir pelo menos quatro pontos para termos uma Constituinte Soberana e Exclusiva:

  1. Uma assembleia unicameral (sem senado),
  2. A representação proporcional (um eleitor = um voto),
  3. O voto em lista partidária pré-ordenada,
  4. O fim do financiamento empresarial (de preferência com financiamento publico exclusivo).

Nesse sentido, o Plebiscito Oficial da Constituinte Exclusiva e Soberana acaba colidindo não somente com o projeto Vacarezza-Alves de referendo, mas também com o projeto de lei da Coalizão Democrática (CNBB-OAB). E isso independe da vontade da campanha do Plebiscito. Na questão das regras, é equivocado confiar “que alguma reforma será feita pelo Congresso nos 2 anos de prazo para convocar a Constituinte previsto no PDL 1508 “.

Nesse ponto, tem razão o secretário da Presidência, Gilberto de Carvalho, quando disse na V Plenária da campanha do Plebiscito, que “não basta o plebiscito consultar sobre a Constituinte, tem que consultar também sobre as regras”. Retomando Dilma, ele listou entre essas regras o financiamento público e as coligações, por exemplo.

TODOS À POSSE

A questão chave, contudo, é a da popularização do Plebiscito Constituinte. É o que propõe a agenda da campanha do Plebiscito Popular, agora, na semana da 9-15 de novembro e depois num calendário que discutirá uma campanha de massas de rua que, em nossa opinião, deve ser sempre associada a uma plataforma de reformas e reivindicações urgentes que deem o conteúdo social desta luta democrático-revolucionária:

  • Desmilitarização das polícias, revogação da lei de Anistia com a punição dos criminosos
  • Reforma agrária, titularização das terras quilombolas e demarcação das reservas indígenas
  • Fim do fator previdenciário e semana de 40 horas
  • Fim do superávit primário; toda verba para o serviço publico (transporte, saúde, educação…)
  • Reestatização das empresas privatizadas
  • Vagas para todos nas universidades públicas
  • Anulação da Ação Penal 470; etc.

No próximo período, o ponto alto da campanha deve ser a grande concentração popular em 1º de Janeiro em Brasília na Posse da presidente Dilma. Vamos “avermelhar” a Esplanada dos Ministérios e cobrir de faixas pelo Plebiscito Constituinte e outras reivindicações.

Temos a convocação da Comissão Executiva Nacional do PT; temos a proposta da campanha do Plebiscito Popular e temos a decisão também da CUT. Agora, vamos respaldar delegações nas entidades sindicais e populares em todo o país. Retornaremos, assim, a questão à presidente, apontando a toda a nação o combate central do povo trabalhador.

Se na posse de 2003 a “plataforma” foi o próprio Lula, agora em 2015 não basta, será “Dilma pela Constituinte”.

Até lá, a campanha de frente única se estrutura utilizando o Projeto de Decreto Legislativo para realizar Audiências em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais em todo o país.

Campanha de ampla frente única, ela se apoia no ponto de unidade – Plebiscito da Constituinte – reconhecendo a autonomia de todas componentes políticas e populares sem impor porta-vozes ou “órgãos”. Além do que, em comum, for discutido e decidido nas instâncias da frente nacional e nos Estados.

A retomada, em discussão, de um tipo de “Fórum Nacional de Lutas” (anos 90), será positiva se mantiver o eixo na Constituinte. A CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) não dá conta por várias razões e superaria o equívoco de afastar os partidos que vem dos “fóruns sociais”, de setores da Igreja e “movimentistas” e que acabou “servindo” para alimentar o clima da AP 470.

5º CONGRESSO DO PT

Para concluir, nós que preparamos o Encontro Nacional do Diálogo Petista (6-7 de dezembro, Brasília), convidamos todos a ajudar a popularizar o Plebiscito Oficial da Constituinte Soberana e Exclusiva. E queremos também continuar a discussão com os companheiros sobre outras questões na 2a fase do 5o Congresso do PT.

Estamos ainda mais convencidos da urgência de voltar aos Encontros de base do PT para eleger a direção e definir a orientação política, acabando com o superado PED (o dito “processo direto de eleição”) – um produto da adaptação do PT às instituições que queremos reformar.

Reformar o PT é parte da luta pela reforma política. É preciso também no PT superar o fosso entre os militantes e os eleitos, em particular nos governos em todos os níveis.

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