COP 26: a miragem da “transição justa”

A COP26 de Glasgow desencadeou um dilúvio de propaganda. “Uma virada para a humanidade”, disse o primeiro-ministro britânico Boris Johnson. Mas o que há para destacar dessa conferência é a disposição dos financiadores privados para operar seu “esverdeamento”, com o objetivo de se associar à “transição energética”, num cenário de destruição maciça de empregos e bilhões de dólares a amealhar. Daí os apelos ao consenso em torno de uma pretensa “transição justa”.

Terreno preparado na conferência da OIT
A Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou, em 17 de junho, a resolução “Um apelo mundial à ação para uma recuperação da crise da Covid-19 centrada nas pessoas que seja inclusiva, sustentável e resiliente”. Entre suas recomendações está “aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas por transições digitais e ambientais justas”.

O ex-sindicalista inglês e atual Diretor-Geral da OIT, Guy Ryder, enfatizou: “O consenso social é essencial para o sucesso da transição ecológica, da descarbonização da economia, porque os custos sociais podem ser elevados. Se nenhuma antecipação for feita, as populações reagirão negativamente e essa transição será bloqueada. É necessário consenso social para que isso seja bem-sucedido”.

Ou seja: o capital deve restaurar suas margens, beneficiar-se de bilhões de subsídios e os trabalhadores e os povos devem pagar o alto preço, ficando a cargo dos governos garantirem a “aceitabilidade social” dos planos.

“Apoiar as condições para uma transição internacional justa”
Em 4 de novembro, em Glasgow, quatorze governos, incluindo os EUA e potências europeias, assinaram uma declaração preparada pelo governo britânico em estreita colaboração com a direção da Confederação Sindical Internacional-CSI, IndustriALL Global Union e IndustriALL Europe (IndustryAll é a federação internacional de sindicatos da indústria).

Esse texto de colaboração entre organizações sindicais e governos indica, como supostas garantias, que os países signatários irão “apoiar trabalhadores na transição para novos empregos”, “apoiar e promover o diálogo social e o engajamento das partes interessadas”, para colocar em prática “suas estratégias econômicas que conduzam ao desenvolvimento sustentável, em particular apoiando países dependentes de combustíveis fósseis para diversificar suas economias”.

Destruição de empregos
O que é essencial e que transparece na declaração é que a reestruturação global do capital, que está em curso, passa a ser um objetivo compartilhado entre trabalhadores, patrões e governos. E suas consequências, tidas como inevitáveis, como a supressão de empregos, serão tratadas por meio de um “diálogo social”, de forma a definir conjuntamente as modalidades de implementação.

A IndustriALL vê isso como “uma grande vitória” e a secretária geral da CSI, Sharan Burrow, também apoiou essa declaração. Ocorre que, para ficar em dois elementos de informação, será o Black Rock, o maior fundo especulativo do mundo, quem aconselhará a União Europeia a promover “finanças sustentáveis” no continente. E, para a França, o plano europeu inclui, entre outras coisas, a exigência da reforma da previdência, a fim de reduzir os déficits “estruturais” gerados pelas subvenções para a transição verde.

Extensão do campo da especulação
De fato, o mercado financeiro decidiu “esverdear” para sugar os bilhões de subsídios públicos envolvidos: um trilhão de dólares em dez anos, segundo a revista Capital, de outubro 2021, via Banco Europeu de Investimento, “chamado a se tornar o banco do clima”.

De acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS) os fundos especializados em finanças verdes já representam mais de 35% dos ativos sob gestão em todo o mundo.

Em abril de 2021, com o intuito declarado de “acelerar a descarbonização da economia”, foi criada a Aliança Financeira Glasgow para Zero Emissões Líquidas (Gfanz) que, agora, reúne mais de 450 instituições financeiras de 45 países, representando 130 trilhões de dólares em ativos.

Tudo serve para justificar novas áreas de especulação: direitos de poluir, indenização por destruição, reflorestamento, precificação de carbono, títulos verdes. Basta fixar um preço para a natureza.

Segundo o economista Benjamin Coriat, “o mercado financeiro criou produtos que supostamente oferecem compensações ambientais que são comercializados, negociados. Mas são apenas produtos financeiros, sem nenhuma realidade por trás deles”. O mercado de reflorestamento agora está cheio de dinheiro e algumas das árvores agora são virtuais.

Predação
A energia eólica é particularmente suculenta para os “investidores” e o exemplo do parque eólico da baía de Saint-Brieuc (França), contra o qual lutam os pescadores, é ilustrativo. Uma concessão de vinte anos foi atribuída pelo Estado à empresa Ailes Marines, subsidiária do grupo espanhol Iberdrola. Trata-se de uma operação que visa a acentuar a desregulamentação do serviço público de eletricidade, quebrando o monopólio da EDF (Eletricidade de França), que garantia a igualdade de acesso dos cidadãos a esse serviço público.

Além disso, é uma privatização de parte do espaço público marítimo. E o Estado garante à Ailes Marines uma renda de, pelo menos, 4,7 milhões de euros, graças a um preço garantido de compra de eletricidade, muito acima do preço médio de produção. A eletricidade mais cara da Europa, e “o impacto ambiental das turbinas eólicas no mar é desastroso. Mas dá dinheiro”, afirma o presidente de uma associação contrária ao projeto.

Temos o direito de viver!
Há três anos, os coletes amarelos foram às ruas e às rotatórias para se oporem ao “imposto do carbono” instituído em nome do financiamento da “transição energética”. Não há nenhuma fatalidade na explosão do preço da energia, senão a privatização e as rendas concedidas ao capital. Os coletes amarelos tinham razão. O governo teve que recuar no imposto, que continua pendente.

A verdadeira face da “transição energética” está se tornando cada vez mais clara: destruição de empregos, especulação, privatizações e predação da natureza. Muito ao contrário de proteger a humanidade contra os distúrbios ambientais.
O capitalismo não se reorganiza, se combate. E isso começa com a defesa dos nossos empregos, dos nossos salários, das nossas aposentadorias, dos serviços públicos, das normas de higiene, de segurança e ambientais, da nossa saúde.

Extraído de artigo publicado no jornal francês Informations Ouvrières

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