Douglas Belchior: “construir um 20 de novembro de rua e de lutas”

No dia 24 de agosto, como resposta às chacinas policiais registradas em três estados brasileiros (São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro) movimentos negros de todo o país fizeram uma jornada de mobilização que levou centenas de organizações às ruas do país para exigir o fim da violência policial e o genocídio da população negra. 

Foi uma demonstração de unidade que exige continuidade, pois os problemas são históricos e prosseguem. Essa continuidade deve passar pelo dia 20 de novembro próximo, quando novas manifestações devem tomar às ruas. O Trabalho conversou com Douglas Belchior, historiador, um dos líderes da Coalizão Negra por Direitos e um dos principais articuladores nacionais da unidade dos movimentos negros. A entrevista foi concedida a Joelson Souza e Alexandre Linares.

Que balanço você faz das atividades nacionais no dia 24 de agosto?
O balanço das atividades do dia 24 é positivo. 25 das 27 capitais foram marcadas com atos, manifestações, atividades politicas de rua num grito uníssono em todo país pelo fim das violências do Estado, de suas policias e também em defesa dos direitos humanos para a população negra, especialmente quilombolas, em razão do assassinato brutal de mãe Bernadete. 

Uma demonstração de força, de articulação, um avanço organizativo do movimento negro que conseguiu pautar na sociedade brasileira essa agenda da segurança pública como algo fundamental para a própria democracia brasileira. 

Ao mesmo tempo que os atos de ruas aconteciam em todo país, em Brasília representações do movimento negro tiveram audiências presenciais com representações dos três poderes da federação, sendo recebidos pelos presidentes da Câmara e do Senado, também por ministros importantes do governo Lula, como Alexandre Padilha, Aniele Franco, além de audiência com três ministros do STF: Gilmar Mendes, Rosa Weber e Barroso. 

Conseguimos levar para as ruas, para a opinião pública, para imprensa e para os três poderes a agenda radical do movimento negro que exige respeito a vida, fim da violência das policias, uma ação do Estado que possa organizar um debate nacional sobre segurança pública e discutir com a sociedade um modelo que desmilitarize as policias, que acabe com a justificativa da violência do estado e das policias contra as comunidades negras, usando como justificativa a guerra às drogas. Um debate que já fazemos há muitos anos na sociedade brasileira.

Como dar continuidade a esse quadro de unidade que se desenvolveu a partir dessa jornada de lutas?
O movimento negro sempre construiu unidades em momentos importantes da sociedade brasileira. Foi assim com a Frente Negra Brasileira na década de 1930, foi assim em momentos importantes de resistência durante a ditadura militar e na formação do Movimento Negro Unificado (MNU), foi assim nos anos 1980 no momento de redemocratização do país e na intervenção da constituinte de 1988 e nas Diretas Já. No início da década de 1990 também. A Marcha de Zumbi dos Palmares em 1995. Tivemos a experiência revolucionária e histórica de mobilização das mulheres negras a partir da marcha das mulheres negras em 2015 e agora por último a formação da Coalização Negra por Direitos e da Convergência Negra como duas grandes frentes de articulação dos movimentos negros na sociedade brasileira e que se juntam nessa jornada a fim de encarar o desafio mais complexo e difícil na sociedade brasileira que é discutir o fim do genocídio do povo negro. Esse é um desafio histórico para o qual a nossa unidade é fundamental.

Quais tarefas o movimento negro tem pela frente rumo ao 20 de novembro?
A ideia é que nesses próximos dois meses ocorram atividades nos estados, audiências públicas, cobranças das secretarias de segurança pública, no sentido de garantir ações que diminuam a letalidade policial. Então, há um estímulo dessas frentes para que as atividades sejam desenvolvidas nos estados, para que o debate sobre a segurança pública seja feito e para que isso tudo se encontre em um momento pico de mobilização no 20 de novembro, para quem sabe, a gente construa um 20 de novembro de rua e de lutas, um dos maiores que já tivemos em nossa história.

Quais expectativas para o povo negro, visto que estamos agora no governo Lula?
O governo Lula deu sinais de que politicas públicas importantes para a população negra sejam retomadas em diversas áreas, no entanto o debate sobre segurança pública continua sendo um tendão de aquiles para a esquerda. Porque é preciso ter coragem para avançar no debate com a sociedade brasileira e encarar esse monstro que vive em nossa sociedade. É preciso avaliar as experiências. O PT tem experiências sofríveis nos estados já governados, mas também tem experiências interessantes em prefeituras que podem servir de espelhos e de estímulo para que a gente possa nacionalmente construir um novo modelo de segurança pública.

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