Entrevista: dirigente do PT Argelino fala sobre a revolução em seu país e a prisão de Luisa Hanune

Publicamos entrevista concedida por Youssef Tazibt, Membro da Executiva do PT da Argélia ao jornal Argelino “El Watan”.


Apesar do aprisionamento de sua dirigente histórica, o Partido dos Trabalhadores (PT) continua com o mesmo vigor sua luta pelo surgimento de um regime democrático e permanece no centro da atual insurreição popular. Youssef Tazibt, um dos dirigentes desse partido faz um balanço da revolução, seus avanços e suas crises. Ele acredita que o país está “caminhando para um impasse de consequências imensuráveis”. Ele também chama atenção para o preocupante estado de saúde de Louisa Hanoune. “Ela tem um moral de aço, mas ela sofre e corre o risco de complicações a qualquer momento. Ela teve desconfortos na prisão que podem estar prevendo o pior.”

– Após cinco meses de insurreição popular pela mudança do regime político, que balanço você faz?

O balanço parcial da revolução é relativamente positivo. Como bem lembraram os manifestantes durante a 21ª sexta feira, foi a mobilização revolucionária de milhões de cidadãos que derrotou a imensa provocação do 5º mandato do presidente Bouteflika, uma vez que o 4º mandato já foi catastrófico em todos os níveis.
Os cidadãos não são cegos. Eles viram que o país foi literalmente saqueado durante esse longo mandato e que uma oligarquia predadora havia feito a opção de perpetuar o regime e suas políticas devastadoras. É por isso que milhões de argelinas e argelinos também impediram o plano que era de estender o quarto mandato do presidente deposto.
Apesar do golpe de força do artigo 102 da Constituição que levou Abdelkader Bensalah à chefia do Estado, o regime sofreu uma nova derrota com o cancelamento das eleições de 4 de julho, que tinha como objetivo organizar o salvamento do sistema/regime. Em cinco meses, a mobilização de milhões de argelinas e argelinos levaram ao fracasso duas eleições presidenciais e o prolongamento do quarto mandato.
O que melhor resume a reivindicação de milhões de cidadãos, é essa aspiração profunda repetida com força em todas as manifestações e que culminou no último dia 5 de julho, quando os milhões de manifestantes gritavam por toda parte: “Em 1962 nós libertamos o país, agora queremos libertar o povo”.

– No entanto, a revolução em andamento dificilmente terá sucesso; qual a razão? Onde está o bloqueio e quem é responsável por este impasse?

A revolução não é uma linha reta e não avança de maneira constante. Há pontos de virada, avanços, recuos, tensões e riscos. As forças contrarrevolucionárias agem para tentar abortá-la. Uma revolução que coloca em movimento milhões de seres humanos nunca é simples. Existem as experiências passadas, as vitórias e as derrotas que habitam os espíritos. O bloqueio essencial vem do regime, que se recusa a ceder aos milhões de cidadãos que reivindicam com força a sua partida, pois ele falhou. A força da revolução vem do fato de que ela é sustentada por milhões de pessoas determinadas a chegar à vitória.
Ninguém pode prever como as coisas vão evoluir. Questões organizacionais podem se colocar para a revolução no futuro próximo. De nossa parte, desejamos e tentamos trazer nossa reflexão, nossa ajuda para que, pouco a pouco, os cidadãos se auto organizem, primeiro localmente (comunas, aldeias cidades, universidades…) – o que já acontece em várias regiões – depois tirar representantes no âmbito dos departamentos e enfim a nível nacional, constituindo assim uma espécie de liderança nacional da revolução.
Esta é a razão que nos levou a participar da frente única das forças democráticas que atuam por uma verdadeira transição democrática baseada na plena soberania popular.
O pacto pela alternativa democrática, que envolve sete partidos políticos, uma Liga de direitos humanos e dezenas de personalidades e militantes da democracia, recusa uma falsa solução através de uma eleição presidencial. Esse pacto defende um processo constituinte soberano para a realização de uma Assembleia Constituinte.

– A eleição de uma Assembleia Constituinte não parece ser unânime…

A questão da Assembleia Constituinte não é minoritária. No momento é mais a eleição presidencial que foi rejeitada três vezes pela revolução. Os argelinos sabem que um dos defeitos do regime é justamente o seu caráter presidencialista que outorga poderes monárquicos ao presidente da República, que reina supremo sobre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário).
É preciso lembrar que a reivindicação da Assembleia Constituinte existe há um século entre nós. Ela foi colocada pela jovem Étoile Nord-Africaine (Estrela Norte Africana), desde a sua fundação em 1926. Foi a primeira organização política a exigir a independência nacional. A Constituinte estava em discussão no dia seguinte da independência, antes que o partido único a impedisse, impondo uma Constituição elaborada e adotada em uma sala de cinema por pessoas não eleitas. Em 1988, com a revolta da juventude, ávida por liberdade que se levantou contra o regime, a questão da Assembleia Constituinte foi colocada.
Em uma revolução, uma Assembleia Constituinte só pode emanar de baixo. Uma assembleia de delegados cidadãos, trabalhadores, jovens, advogados, sindicalistas, militantes políticos eleitos na base com legitimidade para agir, para redigir uma constituição que responda às necessidades da maioria no campo da democracia, da igualdade, dos direitos sociais, econômicos e culturais.

– As elites políticas são reprovadas por não poderem dar uma extensão concreta a essa insurreição. Os partidos também estão ultrapassados pelos acontecimentos?

Cada partido e cada personalidade tem uma orientação política, uma visão diferente das coisas, o que é perfeitamente normal em democracia. Mas é preciso nunca perder de vista o fato de que estamos em revolução, o que implica extrema vigilância das pessoas que não querem ser manipuladas ou traídas.
Essa é a principal razão para a recusa de milhões, de qualquer tentativa de supervisionar seu movimento revolucionário de cima para baixo. Por outro lado, os cidadãos aceitam e aprovam todos os debates que ocorrem a nível local, com seus iguais.
É por isso que pensamos que é necessário criar, democraticamente e sem qualquer tipo de paternalismo, formas de organizações locais, depois departamentais e enfim nacionais. Acreditamos que o envolvimento dos sindicatos autônomos e do movimento pela reapropriação da UGTA poderão dar um novo alento à revolução.

– A classe política está dividida entre defensores do diálogo com vistas a uma eleição presidencial e aqueles a favor de uma transição, é possível um acordo?

Na verdade, existem duas opções principais, como você diz. De um lado há o regime que tentou em vão organizar uma nova eleição em 4 de julho, e que continua a agir para impor esta falsa solução, e aqueles que aderem à mesma ideia com requisitos democráticos sussurrados sem convicção.
E de outro lado, aqueles que militam por uma verdadeira transição democrática, baseada na soberania popular plena e total.
Como vários partidos e personalidades, o PT rejeita a opção de uma eleição presidencial que quer reduzir a crise de um sistema a uma suposta crise de pessoas. Pois, ir para uma eleição com o mesmo sistema, suas instituições e a mesma Constituição, que dá prerrogativas monárquicas ao presidente da República, equivaleria a optar por manter o mesmo regime que arruinou todo o potencial econômico, social e cultural do país e o risco de colocar à frente do país um ditador eleito “democraticamente” seria real.

– O chefe do estado-maior, Ahmed Gaïd Salah, está na linha de frente desde a deposição da Abdelaziz Bouteflika, você teme uma retomada do autoritarismo e uma militarização da vida pública?

Estamos testemunhando uma virada autoritária, que foi anunciada pela prisão arbitrária de Louisa Hanoune. Desde então, assistimos a uma terrível regressão e uma série de ataques frontais contra o sistema multipartidário, o direito de manifestação, a prisão de militantes por suas opiniões, pelo porte da bandeira amazigue (berbere), o fechamento hermético do campo midiático.
A prisão de um autêntico moujahid (combatente da revolução argelina pela independência nacional, NdT) chocou milhões de argelinos. É, portanto, um fato que a situação está se deteriorando no plano das liberdades. A retenção em prisão de Louisa Hanoune, de Lakhdar Bouregaâ e de dezenas de manifestantes é um mau presságio. O país se dirige para um impasse de consequências imensuráveis.

– Louisa Hanoune, líder do seu partido, está presa desde mais de dois meses. Como ela se sente nesta situação?

Louisa Hanoune é militante há 45 anos e dirige o Partido dos Trabalhadores há anos. Ela experimentou a repressão, a prisão em 1983, o sequestro em 1988. Ela sofre com a injustiça que a atinge há 70 dias. Em plena revolução ela está impedida de agir, de falar, de estar a serviço do povo, de seu partido, dos trabalhadores, dos jovens…
Mas ela tem um moral de aço, reforçado pelo apoio forte e inestimável de cidadãos, de partidos políticos, sindicatos, organizações de direitos humanos, de moudjahidate e moudjahidine, de personalidades nacionais, escritores, universitários, advogados… Ela sabe também que em 80 países ao redor do mundo, partidos, sindicatos, parlamentos, deputados, militantes de direitos humanos estão em campanha por sua libertação.
Porém, Louisa Hanoune que sofre de várias doenças crônicas, corre o risco de complicações a qualquer momento. Ela teve desconfortos na prisão que podem estar prevendo o pior. Os médicos da prisão civil de Blida fazem o possível para tratá-la, mas seus médicos, que são em sua maioria professores que exercem a medicina no setor público, expressaram profunda preocupação com a influência negativa do ambiente carcerário sobre a prisioneira política que ela é.

Louisa Hanoune não tem absolutamente nada que fazer na prisão. Ela apresenta todas as garantias para permanecer à disposição da justiça uma vez liberada. É uma perseguição que ela sofre desde 9 de maio passado. Eu apelo, em nome de todo o partido, às cidadãs e cidadãos interessados na justiça e na liberdade que se juntem à luta pela libertação de Louisa Hanoune, Lakhdar Bouregaâ e de todos os presos políticos.

– A sua prisão teve um impacto na coesão partidária, alguns dos seus deputados criticam a posição da formação política de vocês?

O objetivo da prisão de Louisa Hanoune, além de impedi-la de falar e agir, era desestabilizar o PT privando-o de sua secretária geral. A decisão de renunciar ao grupo parlamentar da APN tomada em 26 de março na executiva do partido e depois endossada pela direção nacional, foi um acontecimento na situação política. A base militante recebeu isso com entusiasmo, pois se ajustava perfeitamente às exigências do movimento revolucionário que reivindicava a renúncia do governo e a dissolução das duas casas do parlamento.
Não podemos marchar pela saída do sistema e de suas instituições e permanecer dentro dele. Infelizmente, cinco deputados decidiram manter seus mandatos obtidos nas listas do PT, colocando-se em desacordo com uma decisão soberana do partido. Nossa ética nos impede de revelar as razões que alguns deles apresentam para justificar o fato de não se submeter às decisões partidárias.
Esses cinco deputados formaram um grupo com alguns membros da direção e vêm há semanas tentando desestabilizar o partido, atacando seus dirigentes, difamando-os e conduzindo uma campanha de calúnias e mentiras contra eles. Eles estão fora do partido desde 22 de junho.
Para tentar agradar ao regime, multiplicaram os comunicados e os anúncios de TV para desenvolver uma política completamente estranha àquela do PT. Eles abandonaram a reivindicação da Constituinte, se agarram à Assembleia Popular Nacional para, como dizem, “evitar a queda do Estado” e defendem a manutenção de Bensalah até a organização de uma eleição presidencial.

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