Um anteprojeto de relatório, com o apoio da maioria dos juízes da Suprema Corte estadunidense, “vazou” na imprensa no início de maio.
Essa espécie de rascunho mostrou que esses magistrados planejam rever a decisão de 1973, conhecida como Roe versus Wade (o nome do processo judicial), a qual decidiu que o direito ao aborto, à interrupção voluntária de uma gestação, é garantido pela constituição em todo o território dos Estados Unidos.
Ao entender que tal direito se ampara na chamada “décima quarta emenda”, o direito à privacidade, a Suprema Corte havia decidido, então, que nenhuma legislação estadual poderia impor impedimento ou constrangimento à interrupção da gravidez decidida pela própria mulher. É isso que segue em vigor nos EUA e é isso que esses juízes pretendem mudar.
Uma hipotética reversão da sentença de 1973 não instituiria a proibição do aborto em todo o país. Mas suspenderia a proteção judicial que impedem os legislativos e governos estaduais mais conservadores de fazê-lo (diferente do Brasil, nos EUA este tipo de legislação é definida em cada um dos Estados).
Cerca de 30 Estados, dos 50 da União, já têm suas próprias restrições ao aborto, as quais hoje são consideradas inconstitucionais pela decisão Roe versus Wade, mas que podem entrar em vigor caso esse entendimento caia.
Em outros Estados, como Califórnia, Nova York ou Nova Jersey, é provável que o aborto continue legal. “Isso significa que serão os estados mais ricos, os mais brancos, que terão acesso ao aborto”, afirma Jamie Manson, presidente da organização Catholics for Choice (Católicas pelo Direito de Escolher, em tradução livre). Também será possível às mulheres viajarem para realizar o procedimento nestes Estados, o que apenas as mais ricas e menos vulneráveis conseguirão fazer, claro.
Manifestações em defesa do direito
Na noite de 14 de maio, atendendo ao pedido de dezenas de organizações políticas e ativistas, houve manifestações em mais de 400 cidades estadunidenses. Milhares de mulheres e homens protestaram em frente a prédios do Judiciário em todo o país. Quase 60% da população acredita que o aborto deve ser legal em todos ou na maioria dos casos.
A mesma luta em todo o mundo
Seja nos Estados Unidos, na Espanha (onde o Tribunal Constitucional pretende deliberar sobre a Lei de Aborto), no Brasil (onde o aborto é caso de polícia e tentam bloquear o debate sobre isso), a luta por esse direito é uma luta pela vida das mulheres.
Aproximadamente 45% de todos os abortos realizados no mundo são inseguros e envolvem a hospitalização de cerca de sete milhões de mulheres por ano. Um relatório recente do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) alertava para “uma emergência de saúde pública” criada pelas restrições, legais ou de fato, aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
O relatório informa, por exemplo, que os abortos inseguros causam entre 5 e 13% de todas as mortes maternas, “o que os torna uma das principais causas de mortalidade materna”. E que mais de 60% das gestações indesejadas terminam em aborto, em condições seguras ou inseguras, legais ou ilegais, onde quer que essas gestações ocorram.
Priscilla Chandretti
Com informações de Ana Pérez para o jornal espanhol Información Obrera