Na noite de 9 para 10 de novembro de 1989 em Berlim, milhares de alemães da parte oriental da cidade, munidos de ferramentas pessoais, derrubaram fisicamente o muro construído em 1961 pelo regime stalinista que dirigia a República Democrática Alemã (RDA).
O Muro de Berlim era o símbolo da divisão da nação alemã, mas também da divisão da Europa, e para além dela do mundo, entre uma zona submetida ao imperialismo dos Estados Unidos e outra à burocracia dirigente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
No momento dessa virada histórica, a Alemanha estava dividida em dois países: a República Federal Alemã (RFA), cuja capital era Bonn, fruto da unificação dos setores ocupados pelos EUA, França e Reino Unido ao final da 2ª Guerra Mundial (1939-45), com sucessivos governos de Democratas Cristãos (CDU) e Social-Democratas (SPD); e a RDA, na parte oriental, cuja capital era Pankow (distrito de Berlim Oriental), criada pela URSS e dirigida por um partido único stalinista, o SED, cujo principal líder era Erich Honecker.
Berlim, que tinha sido capital da Alemanha e estava dentro da RDA, era também dividida em duas, segundo as zonas de ocupação militar dos aliados vencedores da guerra.
Nesses trinta anos a queda do Muro já foi tratada como o “fim da história” ou a “falência do socialismo”, o que condenaria a humanidade à exploração capitalista até o fim dos tempos.
Isso para esconder o conteúdo da mobilização dos trabalhadores e do povo alemão – dos dois lados da fronteira imposta – que havia politicamente preparado a sua derrubada.
“O povo somos nós!”
Um mês antes, em 9 de outubro, na cidade operária de Leipzig (RDA), 70 mil manifestantes, com a palavra de ordem “O povo somos nós!”, exigiam liberdade e legalização de suas organizações independentes cantando “A Internacional”. Mobilização que foi o sinal do levante popular revolucionário na RDA. Os dirigentes do SED ficaram impotentes diante dela e o seu aparato repressivo – como a temida Stasi (polícia política) – capitulou. Nove dias depois, Honecker renunciou.
No mesmo 9 de outubro, em Bonn (RFA), uma delegação da União dos Círculos por uma Política Operária (UCPO), dirigida por Karl Lohmann, foi à representação diplomática da RDA com as mesmas exigências de Leipzig. Não tendo sido recebida, ela foi à sede do SPD, onde discutiu com seus dirigentes Vogel, Lafontaine, Bahr e Schroder. Sua proposta era opor a unidade dos trabalhadores do leste e oeste ao governo de Helmut Kohl (CDU), o qual, em nome da “liberdade”, ajudava o regime de Honecker e tentava utilizar os refugiados e trabalhadores do leste como mão de obra barata contra as conquistas de toda a classe operária alemã. Os dirigentes do SPD enrolaram, disseram não ser contra, mas que “o SPD não pode organizar uma manifestação tão rápido”.
A UCPO lançou então um apelo que dizia: “É responsabilidade das grandes organizações dos trabalhadores, do SPD e dos sindicatos da DGB, bem como dos Verdes, mobilizar a população na Alemanha Ocidental pela solidariedade e unidade por cima da fronteira que nos divide: pelo respeito às exigências da população da RDA, que são as nossas exigências comuns; pela proteção da população da RDA contra a violência da Stasi; pelas liberdades e direitos democráticos e políticos. Propomos a organização de uma manifestação nacional, no próximo sábado, 14 de outubro, em Bonn, chamada pela DGB, SPD e Verdes, com todas as organizações que se reclamam das reivindicações do movimento operário e democrático, para exigir: liberdade de todos os presos políticos; anulação de todas as sanções disciplinares; liberdade de opinião, de reunião e de manifestação; legalização do ‘Neues Forum’, do SPD e de todos os agrupamentos políticos; direito à organização sindical e política independente.”
A direção do SPD não se moveu, refletindo a posição dos governos europeus e de todas as potências que temiam que a mobilização das massas colocasse em risco uma transição controlada por cima.
A exigência de unidade da classe operária alemã com base nas mesmas conquistas, alinhando o nível de vida do leste com o do oeste, estendendo as conquistas sociais para todos, expulsando a burocracia, mas mantendo a propriedade social e a proteção que a propriedade estatal das empresas assegurava contra a voracidade do capital, apontava a fusão da revolução política na RDA com a revolução social na RFA, e por isso mesmo foi bloqueada pelos “grandes” do mundo.
Qual o balanço, 30 anos depois?
Abaixo trechos do editorial do jornal “Soziale Politik & Demokratie”, assinado por Carla Boulboullé, sobre os 30 anos da unidade alemã:
“Pouco tempo após a reunificação da Alemanha, a população da ex-RDA viveu a amarga experiência da liquidação de sua indústria com a supressão de milhões de empregos e dos direitos sociais a eles ligados.
O tratado de unificação integrou a Alemanha ao que viria a ser a União Europeia, submetendo a população do leste à economia capitalista privada e a seu Estado burguês.
O resultado foi a liquidação e privatização das empresas públicas do leste e das conquistas ligadas à propriedade social nos setores de saúde, educação, direito ao trabalho etc. Ao mesmo tempo, uma parte importante dos antigos burocratas do SED puderam preservar seus privilégios, tornando-se executivos no setor privado ou altos funcionários administrativos.
As desigualdades entre o leste e o oeste aumentaram. Segundo o Instituto de ciências econômicas (WISI), a defasagem salarial é de cerca de 17% para os trabalhadores do leste. Os salários das convenções coletivas, obtidos pela luta sindical, só cobrem 45% dos empregados no leste (no oeste também caiu para 56%).
A política da Agenda 2010, iniciada no governo de Schröder (SPD) e seguida pelos que o sucederam, provocou declínio social em toda a Alemanha, mas foi mais forte no leste, que serviu como campo de experiência para o desmanche da seguridade social e a redução de direitos trabalhistas.
A desigualdade social aumentou na Alemanha unificada: os 10% mais ricos detém 56% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com 1,3%. Mesmo 30 anos depois da queda do muro, a parte leste da Alemanha continua atrás da parte ocidental, seja em poder econômico (75%), renda média ou nível de vida. Uma recente pesquisa do governo federal mostra que 57% dos alemães do leste se consideram ‘cidadãos de segunda categoria’.
O jornal ‘Die Zeit’ publicou em 2 de outubro um estudo mostrando que ‘os alemães do leste consideram que a segurança no emprego e a justiça social são piores do que antes de 1990’.
Uma situação que demonstra que a unidade social da Alemanha não pode se dar no quadro do capitalismo dominante. A realidade é que a desigualdade aumentou.
A realização da unidade social da Alemanha, que o movimento revolucionário de 1989 tinha se dado como tarefa, resta um problema não resolvido.”
Lauro Fagundes