Artigo publicado no jornal português O Militante Socialista
Quando Lula se afasta da política externa dos EUA sobre a guerra na Ucrânia, ele expressa um sentimento popular profundo de soberania nacional face à opressão mais que centenária do imperialismo estadunidense (e europeu), que concorreu para derrotar Bolsonaro e conquistar seu terceiro mandato. No começo do conflito, durante a campanha eleitoral, já havia dito “não à guerra”.
Mas logo após a sua posse, Lula foi confrontado ao pedido – de Macron por telefone, e de Scholtz em visita oficial – de ajuda militar à Zelensky. Ele respondeu ao socialdemocrata Scholtz que “se der ajuda a uma parte, entro na guerra: eu quero parar a guerra”. Repetiu isso ao sair de uma visita à Biden. Em setembro, a general Laura Richardson, chefa do Comando Sul do Exército dos EUA havia solicitado envio de armas a vários países do continente.
Alguns dos governos chamados “progressistas” na Argentina, Colômbia e México negaram esse apoio militar a Zelensky; Boric apoia Zelensky, sem armas. Venezuela, Cuba e Nicarágua apoiam Putin. Na ONU, o governo Lula votou pela “retirada imediata e incondicional das forças militares (russas) do território da Ucrânia” sem citar o papel da OTAN.
Na verdade, Lula tem a ambição de puxar um “grupo de paz” para negociar um cessar-fogo imediato. Na recente viagem à China (que não sinalizou adesão a esse “grupo”) e depois aos Emirados Árabes, Lula subiu o tom e apontou o dedo: “É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz, para a gente poder convencer Putin e Zelensky que a paz interessa a todo mundo e que a guerra, por enquanto, só está interessando aos dois.”
A reação foi imediata: “Acreditamos que é profundamente problemático como o Brasil abordou de forma retórica a questão, sugerindo que os EUA e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra”, disse John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Presidência dos EUA, já falando também em nome da União Europeia (!), cujo porta-voz correu a secundá-lo.
Coincidentemente, esta semana veio ao Brasil e foi recebido pelo presidente o ministro de Relações Exteriores de Putin, Sergei Lavrov, numa visita agendada há muito tempo.
Foi o suficiente para a imprensa brasileira lacaia começar a relinchar contra os “destemperos” do presidente e o isolamento do Brasil do “Ocidente”, essa figura mitológica invocada pelos EUA quando precisa.
Embora o agronegócio brasileiro nunca deixado de exportar para a China e importar fertilizantes da Rússia, assim como exportar para os EUA e a UE, e nesse caso receber “investimentos”, é possível que na atual situação mundial de disputa feroz por mercados – razão última da guerra – é possível que o mau-humor dos capitalistas venha a se refletir no plano interno.
Lula tem razão na questão da Ucrânia. O fim da guerra não está na mão dos contendores, interessados na sua continuação, mas na mão da mobilização dos povos (e lideranças) que não querem a guerra.
Markus Sokol, membro da Executiva Nacional do PT