O barril de pólvora do Oriente Médio

Em 1991, quando o presidente dos EUA, George Bush, atacou o Iraque enquanto a URSS se desintegrava, ele pretendia instaurar uma “nova ordem mundial”. Em vez disso, foi o início de novas desordens mundiais. 

Na realidade, sem o apoio da burocracia do Kremlin, o imperialismo estadunidense teve que concentrar em si mesmo todas as contradições mundiais, o que estava além de suas forças. Não existe superimperialismo.

Nessas condições, o imperialismo então se apoia nas forças locais ou regionais.

Mas em 2010-2011, uma reviravolta acontece na região estratégica do Oriente Médio. Isso foi o que a imprensa chamou de “Primavera Árabe”. Uma revolução começou na Tunísia, unindo demandas econômicas, sociais e democráticas contra o regime pró-imperialista de Ben Ali. O processo revolucionário foi de tal escala que o regime desmoronou como um castelo de cartas. Mas o processo revolucionário, que questionava diretamente a submissão aos interesses do capital estrangeiro, foi contido pelo partido islâmico Enhada, que havia combatido Ben Ali e cujos líderes, em sua maioria, haviam sido presos. Por isso ele tinha a confiança do povo.

Pouco tempo depois, um processo revolucionário que eclodiu no Egito derrotou o regime de Mubarak, subserviente ao imperialismo dos EUA e colaborador com o Estado de Israel. Mais uma vez, a Irmandade Muçulmana, que havia sido reprimida anteriormente, tomou a frente, buscando canalizar o processo revolucionário. No entanto, uma vez no poder, eles não romperam as relações diplomáticas com Israel.

Mais ou menos canalizando o movimento revolucionário, o exército retomou o poder, estabelecendo a ditadura do marechal Al-Sissi, incentivado pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Recorde-se que o exército egípcio ocupa uma posição particular: todos os anos, o exército dos EUA aloca ao exército egípcio, diretamente e sem passar por nenhum dos dois governos, a soma de 1,3 bilhão de dólares, o que representa 80% da receita do Estado-Maior egípcio.

Na mesma época, diante da deterioração econômica resultante da pressão do FMI e dos Estados Unidos sobre Bashar al-Assad para abrir a economia síria (por exemplo, o governo sírio aboliu os subsídios sobre o preço do pão), a população se revoltou, levantando de fato e inevitavelmente a questão dos direitos democráticos.

Temendo que a situação se espalhasse para o resto da região, a Arábia Saudita, de um lado, e a Turquia, de outro, com o apoio de Israel e o consentimento dos Estados Unidos, criaram milícias jihadistas para tomar o lugar da ação das massas populares sírias. Em vez do aprofundamento da revolta revolucionária, eclodiu uma guerra civil entre as diferentes milícias e o governo de Bashar (apoiado pela Rússia e pelo Irã), que, desde 2011, fez 500 mil mortos e 7 milhões de refugiados.

No mesmo período, tumultos no Iêmen levaram a Arábia Saudita a formar uma coalizão, apoiada pelos Estados Unidos e pela França em particular, para esmagar o povo iemenita, causando mais de 200 mil mortes. O exército saudita também interveio no Bahrein para esmagar uma revolta e apoiar a monarquia do arquipélago. No Iraque, o país desestruturado pela intervenção dos EUA em 2003, viu um aumento no sentimento de rejeição aos Estados Unidos que acabou por se concretizar na exigência da retirada das bases estadunidenses do país.

Essa região é um barril de pólvora, embora crucial para a economia capitalista global. Desgastados pela queda das ditaduras na Tunísia e no Egito, que pareciam sólidas, os Estados Unidos consideram que seu único aliado confiável agora é o Estado de Israel. Por isso, pressionaram o Marrocos e a Jordânia a estabelecer relações com Israel.

Durante seu primeiro mandato, Trump lançou um projeto chamado Abraham, que incluía a Arábia Saudita, com o objetivo de normalizar as relações com Israel. Depois do 7 de outubro, Israel passou para a ofensiva. Esmagando Gaza, estrangulando os palestinos na Cisjordânia, bombardeando o Líbano, bem como a Síria e o Irã, liquidou de certa forma a liderança do Hamas, do Hezbollah e – com a ajuda dos Estados Unidos – os líderes da Guarda Revolucionária Iraniana. O objetivo é desmantelar todas as forças que aparecem como hostis ao Estado sionista. Mas, acima de tudo, trata-se de aterrorizar os povos – todos os povos – da região.

As manifestações em massa no Marrocos e na Jordânia expressam apoio ao povo palestino e, acima de tudo, questionam a normalização de seus respectivos governos com o Estado sionista. Biden, assim como Trump, apoia incondicionalmente a ação genocida do Estado de Israel em curso, porque eles precisam impor o Estado de Israel como o único pilar da “segurança” da dominação imperialista em toda a região.

Após a queda do regime de Bashar, negociado previamente entre Irã, Rússia e Turquia, os americanos aplaudiram sem, no entanto, credenciar o novo governo. Foi assim que, nos dias que precederam a queda de Bashar, os Estados Unidos bombardearam setenta e cinco locais na Síria, principalmente as bases do Daesh. O que soa como um aviso para aqueles que acabaram de tomar o poder em Damasco.

Por sua vez, Israel realizou mais de 300 bombardeamentos contra instalações militares sírias. O país, portanto, não tem mais aviões, helicópteros ou tanques. Netanyahu ordenou que as tropas israelenses penetrassem 15 km nas Colinas de Golã da Síria. Isso também é um aviso às milícias que tomaram o poder em Damasco.

Com o acordo dos Estados Unidos, Israel desencadeou a maior ofensiva violenta na região, tendo no seu centro a questão palestina. De fato, a existência do povo palestino continua a ser um desafio direto ao sionismo. Portanto, ele deve ser erradicado. E Netanyahu não estava brincando ao declarar que as Colinas de Golã ocupadas permanecerão para sempre propriedade de Israel, enquanto anunciava a continuação da ofensiva em Gaza.

Faltando apenas algumas semanas para sua posse, Trump precisa limpar a casa: impor um cessar-fogo na Ucrânia e forçar todos os governos do Oriente Médio – incluindo o Irã – a aceitar seu domínio e o de seu aliado Israel.

Para Trump, a única questão que importa é a China e sua posição no mercado mundial. O presidente chinês sabe disso e repete constantemente que, no caso de uma guerra comercial com os Estados Unidos não poderá haver vencedor.

A União Europeia, por sua vez, é marginalizada. Trump já anunciou uma redução na ajuda dos EUA à Ucrânia, exigindo que os europeus cuidem disso sozinhos. Também disse aos membros do BRICS que qualquer desafio às posições dos Estados Unidos levaria à taxação de 100% em todos os seus produtos destinados aos Estados Unidos.

Aparência e realidade: na Europa, as pessoas estão se levantando contra as exigências da União Europeia e da Otan. Nos próprios Estados Unidos, essa radicalização da classe trabalhadora e da juventude também está se expressando, juntamente com um desenvolvimento do DAS (agrupamento Democratas Socialistas da América*). 

Mesmo no Oriente Médio, com dezenas de milhares de mortes, bombardeios e repressão, as sementes de uma revolta dos povos – não imediatamente, mas a seu tempo – estão ganhando força.

Lucien Gauthier

Publicado no jornal francês Infomations Ouvrières
(tradução Adaias Muniz)

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