O que é a tal reforma sindical?

Entrevista com João Batista Gomes, dirigente da Executiva da CUT Nacional, realizada por Alexandre Linares em 25 de fevereiro de 2023.

O que é essa proposta em discussão na CUT e nas demais centrais sindicais de Nova Estrutura Sindical? Você pode explicar para nós?

João Batista Gomes (Joãozinho) | No final do mês de janeiro e no início do mês de fevereiro começou uma discussão com o governo Lula. A cúpula das centrais sindicais e o Ministério do Trabalho começaram discussões. Nos governos Temer e Bolsonaro o movimento sindical foi duramente atacado. O golpe de Temer aprovou a reforma trabalhista que atacou diretamente o movimento sindical e os direitos dos trabalhadores.

Essa discussão deveria, de imediato, começar pela luta para a revogação da reforma trabalhista do Temer, que rebaixou direitos, atacou a negociação coletiva introduzindo a negociação individual, atacou o papel dos sindicatos, acabou com a ultratividade, que era a garantia de manutenção dos direitos do último acordo coletivo de trabalho, caso sindicato e patrões não tenham assinado novo acordo coletivo. Isso é uma pancada forte nos trabalhadores, rebaixando direitos.

No entanto, abriu-se uma discussão com base num “Projeto de valorização e fortalecimento da negociação coletiva, diretrizes e estratégia para a atualização do sistema de relações de trabalho e do sistema sindical” que está na 2ª. Versão. Apresentado em nome do Fórum das Centrais, foi dado apenas 30 dias para discussão nos sindicatos, federações, confederações e na própria CUT (e para as demais sindicais também), sobre o novo projeto de estrutura sindical.

Na prática é uma nova reforma sindical. E isso foi discutido na executiva da CUT e foi dado até o dia 03 de março para discutir. Mas o projeto concentra-se na criação de um Conselho de Autorregulamentação das Relações de Trabalho – CART. É o coração da proposta que vem das centrais sindicais.

Qual significado disso? Qual a função desta proposta de Conselho de Autorregulamentação das Relações de Trabalho – CART?

Joãozinho | Nós sabemos que o centro do problema sindical no Brasil é o artigo 8ª da Constituição que no seu inciso 2° estabelece a unicidade sindical. O que é unicidade sindical? É a determinação do Estado de que só pode haver um sindicato numa mesma base territorial de uma categoria. Ou seja, só pode ter um sindicato na base: um Sindicato de Metalúrgicos em São Paulo, um Sindicato de Rodoviários em São Paulo e assim por diante. Nós achamos que isso não é certo. Pensamos que deve haver a liberdade de organização sindical, onde os próprios trabalhadores através de seu movimento, decidem como organizam seus sindicatos.
Esse projeto aprofunda a unicidade sindical, com a criação deste mecanismo chamado CART.

Como ele funcionária? Ele é composto por três câmaras: uma câmara dos trabalhadores composta pelas centrais sindicais reconhecidas; uma câmara do patronato e constituída por sindicatos dos patrões; e uma terceira câmara comum que seria para discutir as relações de trabalho e se propõe a desenvolver as relações sindicais com presença do Estado.

Aqui é complicado. A base da liberdade de organização sindical deveria ser dos trabalhadores, a quem compete discutir e desenvolver a organização sindical, as suas centrais sindicais e seus sindicatos. A CUT por exemplo, porque ela teria que discutir no CART a forma com que se organiza? A fusão de sindicatos? A extensão do sindicato para novas bases? Por que é que ela precisaria dessa Câmara de autorregulamentação, junto com as demais centrais sindicais?

Seria a volta do estatuto padrão do Ministério do Trabalho, criado na ditadura do Estado Novo? No passado foi assim. Pisoteado as regras da democracia sindical, o Estado impunha um estatuto padrão. Se o sindicato não tivesse aquele estatuto ele não era reconhecido pelo Ministério do Trabalho.

Na verdade, esse CART pretende substituir o Ministério do Trabalho na regulação da atividade sindical. E ele é ligado ao Ministério do Trabalho, mas na verdade substituiria o Ministério do Trabalho, tendo as próprias centrais sindicais e entidades dos patrões essa câmara comum para resolver problemas entre trabalhadores e patrões. O CART assumiria o papel do Ministério do Trabalho. Isso está errado!

A função do Ministério do Trabalho teria que ser simplesmente registrar o sindicato. O sindicato é fundado, é desenvolvido manda a documentação para o Ministério do Trabalho, reconhece e ponto final.

Isso pode ser um empecilho para a unificação dos sindicatos?

Joãozinho | O CART será um empecilho à isso, em nome da “autorregulamentação” com as centrais. Vamos dar um exemplo de um sindicato dos metalúrgicos, que representa só a categoria metalúrgica: os trabalhadores terceirizados dentro dessa empresa teriam que estar representados no sindicato dos metalúrgicos para poder fortalecer o sindicato e fortalecer os trabalhadores terceirizados que trabalham na empresa. Podemos dar exemplos de outras categorias, usei os metalúrgicos, pois tem Acordo Coletivo Nacional, poderia usar os bancários. Os sindicatos dos bancários deveriam poder agregar todos os trabalhadores que trabalham em bancos e no sistema financeiro, né? Nos bancos houve muita terceirização, inclusive para enfraquecer a organização sindical. No setor público, onde a terceirização de serviços avança para reduzir salários e direitos, os sindicatos precisam unificar a base de todos que estão no local de trabalho.

Essa luta, já se desenvolveu, para unir sindicatos, mas foi bloqueada pela unicidade sindical na Constituição.

Essa proposta se afasta da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é um dos princípios estatutários da CUT?

Joãozinho | É exatamente essa discussão que nós estamos levantando. A CUT nasceu rompendo com esse sindicalismo oficial tutelado pelo Estado. Ela nasceu defendendo os pressupostos da convenção 87 e 151 da OIT que trata do setor público, da negociação coletiva no setor público. Inclusive a convenção 151 já foi ratificada pelo Brasil, mas ela não foi regulamentada, e ela precisa ser regulamentada. Então essa vai ser outra briga.

Essa questão da Convenção 151 é um bom exemplo. A unicidade sindical é praticada concretamente no setor privado, pois no setor público, o sindicalismo nasceu após a Constituição de 1988. No setor público a unicidade sindical caiu por terra na prática.

Há vários Sindicatos dos Servidores Públicos e nem por isso os servidores públicos perderam as capacidades de luta. Posso pegar o exemplo da minha categoria em São Paulo. Meu sindicato é o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo – o Sindsep, filiado à CUT. E temos o Sindicato dos Professores do Ensino Municipal, o Sinpeem, também filiado à CUT. Nem por isso tem uma fragmentação da categoria. Nós fazemos lutas comuns. Temos debates, na busca por unidade prática por causa das pautas conjuntas, mas isso faz parte da vida sindical. Inclusive há outras entidades também que não são ligadas à CUT e nem por isso a gente deixou de fazer luta, inclusive fazer luta unificada com esses sindicatos. Esse é um bom exemplo do que caracteriza a liberdade e autonomia de organização sindical. Isso é o contrário do que alguns companheiros dizem que enfraqueceria o movimento. Há quem diga que a liberdade e organização sindical vai liberar a criação de sindicato com cinco empresas, com cinco unidades… é o contrário, né? Nós vamos batalhar para ter sindicatos fortes, para que a categoria se reconheça neles. É exatamente o contrário. É a unicidade sindical que permite a fragmentação sindical, impondo (uma regra) por cima e por fora do movimento real dos trabalhadores. É a unicidade sindical que estabelece um “monopólio” da representação, tirando do trabalhador e do servidor público a possibilidade de escolher qual sindicato ele quer se associar e fazer parte.

Qual a proposta frente a isso?

Joãozinho | Nós achamos que é uma contradição e que vai contra os pressupostos que fundaram a CUT. A batalha é que vai travar é que essa discussão seja feita por toda CUT. Não dá para ser a toque de caixa, feita pelas cúpulas das centrais. Estamos desenvolvendo uma batalha no terreno da CUT, onde nós estamos dirigindo moções a direção executiva.

Para nós, essa discussão deveria ser remetida ao debate do 14º Congresso Nacional da CUT que acontece no segundo semestre de 2023. Uma discussão deste porte não dá para ser feita em 30 dias. É uma questão que exige debate. Os sindicatos devem debater e discutir o assunto. Pois é um debate que tem em sua raiz a própria existência da Central Única dos Trabalhadores, que neste ano completa 40 anos de existência exigindo liberdade e autonomia da organização sindical.

Ao mesmo tempo, o movimento sindical deveria encaminhar o mais rápido possível um Projeto de Lei sobre o financiamento sindical. Evidentemente, somos contra o retorno do imposto sindical. Mas um dos golpes de Temer e Bolsonaro foi o de atacar o financiamento sindical. Defendemos a necessidade de um Projeto de Lei, para permitir a implantação da Taxa Negocial, mecanismo democrático, com direito a oposição em assembleia. Não é preciso esperar uma “reforma sindical” para resolver isso. Para nós isso andaria mais rápido no Congresso Nacional.

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