Palestina: o projeto de anexação da Cisjordânia e a continuidade da resistência do povo

O projeto de anexação de uma parte da Cisjordânia pelo Estado israelense sairá do papel?

No momento em que essas linhas são escritas, a implementação do plano de anexação (30% da Cisjordânia) prevista para 1º de julho permanece suspensa. O primeiro ministro de Israel vai discutir com o governo estadunidense a viabilidade da sua aplicação. O projeto provocou um clamor inclusive entre os mais fiéis aliados do Estado de Israel, que temem acima de tudo por sua segurança e uma degradação de sua “imagem” junto àqueles que conseguem ver claramente os fatos. Para muitos militantes palestinos, com ou sem anexação, é hora de se organizar.

O anúncio da anexação de uma parte da Cisjordânia (ocupada pelo Estado israelense desde 1967) abriu muito rapidamente uma nova sessão do grande teatro dos hipócritas e mentirosos que é importante analisar. Para a ONU e a Liga Árabe, a anexação poderá “destruir qualquer perspectiva de paz no futuro”, como se qualquer perspectiva de paz não tenha já ido pelos ares após décadas de um sistema de exploração e opressão que o povo palestino vem sofrendo.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, recitou novamente a mesma fábula ao afirmar que o objetivo era sempre alcançar a constituição de “dois Estados – Israel e um Estado palestino independente, democrático, contínuo, soberano e viável – vivendo lado a lado em paz e em segurança e nas fronteiras reconhecidas com base nas linhas definidas em 1967, com Jerusalém capital dos dois Estados”.

O secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit chegou mesmo a declarar que “anexar partes do território palestino ocupado constituiria, se concretizado, uma séria ameaça à estabilidade regional”.

Como ousam falar em estabilidade regional ameaçada? O Líbano afunda cada dia mais na crise, a Síria está devastada por quase dez anos de guerra civil e parcialmente ocupada no norte pela Turquia, dezenas de milhares de crianças morrem de fome no Iêmen, onde a guerra já se prolonga por 5 anos, a população de Gaza tem um limiar de pobreza dos mais baixos do planeta e vive sob ameaça permanente de novos ataques israelenses, a Arábia Saudita vive uma crise econômica sem precedentes, o imperialismo estadunidense apesar de sua própria crise coordena esse caos e ainda ouvimos indivíduos falarem em estabilidade regional!

Alguns “intelectuais judeus” se preocupam com o risco de “deslegitimação do Estado de Israel” e com o risco de alargar “um fosso entre Israel e a maioria dos judeus da diáspora”. Trata-se, portanto, mais uma vez, de proteger o Estado de Israel… contra ele mesmo.

Oficiais militares e de segurança israelenses, conhecidos por seu humanismo em relação aos palestinos, temem um colapso da Autoridade Palestina, seu principal aliado para manter a ordem nos territórios palestinos. Para um deles, Ami Ayalon, ex-chefe do serviço secreto de Israel, “com a anexação, será o apartheid”, isto é, um Estado único israelense com um “ciclo interminável de violência”. Como se os palestinos não estivessem já sofrendo um racismo profundo, uma segregação a todo momento ao mesmo tempo racial, social e espacial. O que fez o trabalhista Ayalon para impedir a violência quotidiana dos colonos israelenses contra os habitantes palestinos (para falar apenas desses fatos)?

“Os palestinos lutam para desmantelar o apartheid, não apenas a anexação”
A revista israelense +972Magazine, que defende as liberdades democráticas e os jovens israelenses que se recusam a prestar serviço militar nos territórios de 1967, publicou em 29 de junho um artigo do militante Salem Barahmeh, residente em Ramallah. Barahmeh diz que “os palestinos lutam para desmantelar o apartheid, não apenas a anexação”. Ele lembra que a política de colonização sistemática da Cisjordânia foi inaugurada em 1967 pelo Partido Trabalhista, a “esquerda” de Israel, ainda um membro do que resta da Internacional Socialista e que “esse roubo de terra, essa anexação sempre foram um elemento central da identidade institucional israelense, passando através de gerações de palestinos”.

Barahmeh denuncia “a grande ilusão”, a saber, a “falência de Oslo” (1) e o fato de “para aqueles que protegem esta ilusão, a farsa da solução dos dois Estados é bem mais importante que o sofrimento de milhões de palestinos”. Para ele, “o combate palestino hoje não é apenas contra a anexação que, aliás, deve prosseguir. Ele está centrado no desmantelamento de todo o sistema de apartheid” que oprime os palestinos onde quer que se encontrem: dentro do Estado israelense, nos campos, na Cisjordânia, em Gaza. E conclui escrevendo: “em vez de manter essa grande ilusão, precisamos agora de soluções para construir um novo contrato social entre o rio (Jordão) e o mar, onde cada um será livre com os mesmos direitos”.

Em um artigo publicado em 29 de junho, Ramzy Baroud, editor do site Chronicle de Palestine, aborda a natureza da Autoridade Palestina, resultante dos acordos de Oslo assinados em 1993. Ele lembra a ausência total de democracia no seu funcionamento, suas pequenas manobras para garantir a própria sobrevivência, indicando que esta é “a estratégia atual dos dirigentes palestinos: uma combinação de ameaças, de contrapropostas e outras iniciativas, na esperança de que Washington e Tel-Aviv aceitem voltar a um tempo que já passou” e assim ganhar alguns “anos extras de sobrevivência”, recheados de “generosos fundos internacionais”.

Ramzy Baroud considera que a Autoridade Palestina “já deixou de existir como órgão político com alguma influência ou pertinência, seja para o povo palestino, seja para seus ex-benfeitores, nomeadamente os governos israelense e estadunidense” e que ela deveria agora entregar “as chaves da Organização de Libertação da Palestina”. Este questionamento é amplamente compartilhado entre os militantes palestinos e suas organizações, para além daquelas – o Hamas, o Fatah e alguns satélites – cujo confronto visa apenas manter ou assumir o controle da Autoridade Palestina, que foi fundada para servir aos interesses do Estado israelense e acompanhar sua ocupação da Cisjordânia e da faixa de Gaza (atualmente sitiada por militares israelenses e egípcios). E os discursos indignados de seus dirigentes mal escondem o medo pelo seu futuro pessoal.
Informatios Ouvrières publicou há duas semanas o apelo à reconstituição do Conselho Nacional Palestino da OLP, que circula amplamente entre os palestinos dos territórios de 1948 (Estado de Israel), de 1967, dos campos de refugiados e da diáspora.

Segundo um dos signatários, também membro da Campanha por um Estado democrático único, que nós contatamos por telefone e ao qual deixaremos a conclusão deste artigo: “A paz, a igualdade, a coexistência, dois Estados para dois povos, a legalidade internacional e as negociações são palavras utilizadas para nos anestesiar, mas agora apenas aqueles que abandonaram a estratégia pela libertação ainda acreditam nelas. A questão, hoje, é concentrar todos os nossos esforços na reafirmação da nossa unidade nacional, nos organizar, refundar um quadro comum aos palestinos do mundo inteiro e reafirmar a justeza do combate pela igualdade de direitos de todas as componentes que vivem entre o mar e o rio.”

François Lazar
(publicado no jornal francês Informações Operárias edição de 9 a 15 de julho/2020)

(1) Referência aos acordos assinados na cidade de Oslo (Noruega) em 1993, mediados por Bill Clinton, presidente dos EUA, entre o governo israelense, representado por Yitzhak Rabin, e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), representada pelo seu presidente, Yasser Arafat. Nestes acordos a OLP reconhece, pela primeira vez, o direito à existência do Estado de Israel, abandonando a perspectiva da luta por um só Estado.

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