Vladimir Mazurine, militante da Rússia*
A Rússia não é mais o mesmo país da época em que a URSS entrou em colapso. Ela acumulou riquezas devido aos altos preços do petróleo e Putin exige a devolução de todas as terras do Império Russo, cem anos depois do seu fim. Esses planos são prejudicados pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, coalizão militar liderada pelos EUA – NdT), e pela China, que os dirigentes do Kremlin também temem.
Qualquer intromissão no território da antiga União Soviética (a Ucrânia era parte da URSS – NdT) é muito mal vista pelo Kremlin, como na Geórgia em 2008 ou na própria Ucrânia em 2014. A disposição de aderir à OTAN por parte dos dirigentes das ex-repúblicas soviéticas provoca, em resposta, uma agressão imediata por parte do exército russo, que ocupa territórios estrangeiros.
A Rússia tornou-se a Alemanha pós-Versalhes (tratado de pilhagem imposto pelos vitoriosos da 1ª Guerra Mundial – NdT) e dos anos 1930. Alemanha humilhada, mas já tendo conquistado a Tchecoslováquia. Agora, o alvo da máquina militar da Federação Russa (nome da atual república federada russa – NdT) é a Ucrânia. Putin decidiu concluir um novo “pacto Ribbentrop-Molotov” (nomes dos ministros de Relações Exteriores de Hitler e de Stálin, que assinaram um acordo secreto de partilha – ver abaixo, NdT), agora com os países da OTAN sobre a partilha de áreas de influência na Europa e na Ásia.
Os Estados Unidos não aceitam um tal tratado. No entanto, eles se lembram que o acordo entre os nazistas da Alemanha e os stalinistas da URSS não foi uma vontade das massas populares. Então, em 1939, a Alemanha cedeu a Finlândia, os Estados Bálticos e o leste da Polônia aos stalinistas. E no inverno de 1939, a URSS ocupou quase tudo, exceto a Finlândia, que fora ocupada em dezembro. Com a Finlândia, como se recorda, poucas coisas aconteceram, apesar do fato de a 16ª República Finlandesa ter sido criada como parte da URSS.
E é comparável à situação na Ucrânia após o ataque russo em 2014: a Rússia ocupou a Crimeia e criou pequenos principados “russos” (nas regiões ucranianas russófonas – NdT) do Donetz e do Donbass.
A Rússia moderna, ao contrário da URSS, não tem o grande ideal da Revolução Mundial da Fraternidade Universal ritualmente celebrado pelos stalinistas da União Soviética. Ela tem apenas o ideal do nacionalismo russo. A Rússia forja os russos com o objetivo de “restaurar o Império Russo”! A ideologia atual do Kremlin é um concentrado da ideologia imperial do século 19. O Kremlin não reconhece a Ucrânia, não reconhece a existência do povo ucraniano. Para Putin, eles são russos, controlados pelos ideais ocidentais, que ele vai libertar!
Em 2014, ideólogos do Kremlin planejavam criar a Novorossiya (Nova Rússia) no lugar da Ucrânia. Eles esperavam amplo apoio das massas populares, mas isso não aconteceu. Com o que Putin está contando agora?
Nos últimos anos, o Ministério da Defesa da Federação Russa realizou um rearmamento em larga escala. Mas isso é suficiente para uma entrada vitoriosa em Kiev (capital da Ucrânia)? Será um fracasso na Ucrânia. E esse fracasso não acontecerá por acaso. Não tendo compreendido a tradição da longa luta do povo ucraniano pela independência, Putin pensa que pode quebrar o governo ucraniano com um simples empurrão diplomático. Isso é grosseiramente mal calculado.
Putin, diante da intransigência do governo ucraniano, em vez de reformular seu plano, começou a ameaçar. Na atmosfera de submissão bizantina que o cerca, o próprio Putin é vítima de suas ameaças: elas não afetam os ucranianos, mas o obrigam a agir imediatamente. Desde o verão passado (há mais de 6 meses – NdT), grande parte do exército russo está às portas da Ucrânia. E é assim que uma guerra desonrosa pode começar – inutilmente, sem uma perspectiva clara, sem preparação moral e material, num momento em que o próprio calendário parecia alertar contra a aventura.
* Publicado no Informations Ouvrières n°694. Tradução de Adaias Muniz.