Gênero: Documentário
Direção: Ava DuVernay
Duração: 1h:40min
Assista o documentário completo dublado em português (abaixo)
O documentário a “13ª Emenda” nos apresenta um tema que assola a população negra dos EUA e nos chama para uma necessária reflexão.
Dirigido por Ava Duvernay, a mesma diretora negra de “Selma” (que conta a história de Martin Luther King Jr), o documentário parte da 13ª Emenda à Constituição dos EUA que acabou com a escravidão, porém deixou uma importante brecha em suas linhas:
“Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado” (grifo nosso).
Ou seja, no caso de punição de crimes, os “novos escravos” passaram a ter o seu lugar na prisão.
Os EUA são o país com o maior número absoluto de pessoas encarceradas no mundo (O Brasil não está muito longe, somos o 4º da lista) e quase metade da população carcerária é negra, mesmo se os negros não representam nem 10% da população estadunidense. Portanto, não é difícil chegar à conclusão que após a aprovação da 13ª Emenda, boa parte dos negros que tiveram a sua liberdade garantida pela Constituição, assim como seus descendentes, viram sua liberdade roubada novamente; passaram a ser criminosos submetidos a trabalhos forçados e análogos a escravidão, mão de obra muito barata ou gratuita para garantir o lucro de diversas empresas e do próprio imperialismo estadunidense. Dessa forma, a 13ª Emenda, as diversas outras leis que são aplicadas especialmente contra os negros, assim como o conjunto de política da burguesia imperialista estadunidense são os fatores centrais para esse “encarceramento em massa”.
Como reforça o documentário, atualmente existem mais negros nas prisões estadunidenses do que negros escravizados no século 19. Seria isso coisa do acaso?
Depois de lutarem por sua libertação, inclusive com muitos negros, corretamente, alistando-se e lutando ao lado de Abraham Lincoln pelo fim da escravidão, saíram vitoriosos. Com o fim da guerra civil veio uma onda de reação da burguesia do norte (industrial) e sul (agrícola). Com as leis de Jim Crow(1) vieram a retirada de direitos civis e forte segregação racial, em especial para com os negros do sul.
A linha histórica abordada no documentário nos dá a dimensão da política a qual, nos dias de hoje, a população negra se encontra: sujeita a violência e criminalização desde quando teve sua liberdade roubada na África e trazidos para os EUA. A diferença é que, agora, tudo acontece de forma camuflada e reforçada por leis que tentam fazer parecer tudo ser algo “normal”. Mas, desde o início, o objetivo é único: garantir a riqueza e manutenção do lucro das classes mais ricas, antes os donos de escravos, agora, a burguesia imperialista.
O capitalismo em sua fase de putrefação, para garantir lucro de suas indústrias, joga milhares de negros nas prisões. Com o discurso de “garantir a lei e a ordem”, aplica-se Leis que, em sua maioria, foram criadas pela ALEC (sigla em inglês do reacionário Conselho de Intercâmbio Legislativo Americano). Com os presídios lotados, as empresas ligadas a ALEC prestam serviço remunerado e ainda garantem que os negros presos trabalhem em um regime de servidão em suas multinacionais.
Em 2007, dois anos após a passagem do furação, participei do Tribunal Internacional Katrina, em New Orleans, EUA. Um tribunal convocado por diversas organizações para julgar as violações dos direitos humanos cometidas pelos governos municipal e estadual (Democratas) e federal (Republicano) por ocasião da tempestade. Nas conclusões desse Tribunal, quando relata a inundação das prisões com sua imensa maioria negros, regista que:
“Na madrugada da tragédia (29.08.2005), os presos, que estavam nas celas do térreo, por pouco não morreram todos. Eles foram obrigados a passar a noite toda acordados e em pé, com a cela inundada até a altura do peito, com uma sensação de que iriam morrer afogados a qualquer momento. Não se tem dados oficiais, mas acredita-se que muitos presos morreram afogados dentro das celas (…) Depois do furacão, o governo privou milhares de negros de seus direitos políticos; deslocou-os para o interior; concedeu contratos para empresas que têm vínculos com a administração Bush sem passar pelos procedimentos de licitação; transgrediu as leis de proteção ao meio ambiente e o código de proteção aos trabalhadores…”
Mas, se de um lado, o Imperialismo retira os direitos e a liberdade do povo negro, de outro, temos esse mesmo povo organizando-se e combatendo toda essa política de opressão e exploração que tenta roubar o seu futuro. A política dos “partidos gêmeos” (Republicano e Democrata) tem um mesmo objetivo: destruir a população negra estadunidense.
Barack Obama, democrata e primeiro presidente negro da história dos EUA, não é citado no documentário, o que particularmente me “saltou aos olhos”. Certamente por não ter feito nenhuma politica que melhorasse a situação dos negros, senão ao contrário, aplicou mais politicas de austeridade dificultando a vida da classe trabalhadora, incluindo os negros.
Mas o documentário aborda a responsabilidade dos Clintons, através da máquina do Partido Democrata, na construção da politica que gerou o “encarceramento em massa”. Os que lamentaram a derrota de Hillary Clinton nas últimas eleições talvez tenham deixado de ver essa e outras partes da política dos democratas. O que demonstra que tanto os Republicanos como os Democratas têm características similares, e até por isso, muitas organizações de negros dos EUA as caracterizam como partidos gêmeos. A única alternativa possivelmente, é que tanto os negros, como os trabalhadores, construam e reforcem os seus próprios partidos independentes sem os resquícios da burguesia.
A situação no Brasil não é diferente da dos EUA. Aqui não temos uma “13ª Emenda”, mas as recentes rebeliões nos presídios brasileiros recolocam no centro a discussão de nosso sistema carcerário, majoritariamente negro.
O Brasil, hoje, é o 4º país com maior número absoluto de detentos no mundo, ficando atrás apenas do próprio EUA, da China e Rússia. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) registra que, em 2014, o Brasil tinha 622.202 presos, dos quais 61,6% eram negros.
Mesmo se as leis são diferentes, dividimos questões similares com as prisões nos EUA. Aqui também temos um sistema carcerário em situação degradante e, em sua maioria, são negros que estão atrás das grades. Outra similaridade que o governo golpista de Michel Temer quer aplicar a privatização dos presídios, garantindo lucro para algumas empresas que farão questão de ter os presídios cada vez mais lotados. Vale lembrar que, similar aos EUA, após ao fim da escravidão, no Brasil, o Código Criminal da República de 1890 (logo após a Lei Áurea de 1888), tinha diversos artigos dirigido à população negra, como os que proibiam a pratica de religiões de matrizes africanas, a capoeira etc.
Como disse Steve Biko, “Capitalismo e Racismo são duas faces da mesma moeda”.
Joelson Souza
https://www.youtube.com/watch?v=n7e4HfgBWaM
(1) As leis de Jim Crow foram leis locais e estaduais, promulgadas nos Estados do sul dos Estados Unidos, que institucionalizaram a segregação racial, afetando afro-americanos, asiáticos e outros grupos étnicos. Vigoraram entre 1876 e 1965.