“Reunir centenas de sindicalistas filiados ao PT”

Entrevista com João Felício, um dos que convocam o Encontro Nacional de Sindicalistas petistas

João Felício é fundador do PT e da CUT, hoje presidente da CSI (Central Sindical Internacional), está entre os sindicalistas cutistas que chamam o Encontro de Sindicalistas Petistas, para 27 de novembro em São Paulo. Encontro autossustentado, como diz a convocação, baseada no manifestoO PT de volta para a classe trabalhadora”, distribuído no 5º Congresso do PT e que considera que a “política do ajuste fiscal regressivo e recessivo inaugurada com a nomeação de Levy para Ministro da Fazenda coloca o PT contra a classe trabalhadora e as camadas populares que sempre foram sua principal base de apoio”. João Felício falou sobre o Encontro para jornal O Trabalho.

O Trabalho: Como surge a ideia do encontro?

João Felício: É preciso recuperar um pouco da história do PT. Participei do congresso de fundação. A criação do PT empolgou os militantes do movimento sindical, populares, pastorais, que enxergaram no partido algo novo, do ponto de vista programático e de participação política. O partido foi criado pela necessidade de conquistarmos o poder, sem o que não é possível fazer as grandes mudanças, e com um profundo vínculo com o movimento sindical e social. Essa era a originalidade do PT. A agenda dos movimentos. Suas reivindicações eram parte da pauta do PT. Os militantes tinham ali um espaço de militância política, podiam interferir nas decisões. Liderei muitas greves que tinham o apoio do partido. O PT apoiava as mobilizações e reivindicações dos trabalhadores, foi um espaço de formação e organização, e ali construíamos uma política de massa. Por isso o PT se tornou o partido mais amado pela grande massa.

OT: O que mudou a situação?

JF: Quando o PT começou a ganhar eleições (municipais, estaduais e a presidência da república) foi sendo secundarizado o seu papel de organizador e formador da militância. A agenda de luta foi sendo abandonada, criando um falso antagonismo entre as duas questões: ganhar espaços no poder e organizar a luta. O partido passou a ser dirigido por quem tinha mandato e seus assessores. Os conflitos naturais numa sociedade de classe passaram a ter um papel marginal nos debates.

OT: Com o encontro, é possível fazer frente a essa situação?

JF: A ideia do encontro surgiu por causa disso. Com o afastamento do PT de sua base social, nós que ocupamos postos no movimento sindical queremos que o PT volte a ter uma agenda que dê conta do dia a dia da luta. Não acuso ninguém pelo afastamento. Mas se o partido faz esse movimento e ficar restrito em discutir apenas a administração pública, nós estamos fazendo um movimento contrário. Queremos que o PT também tenha na sua pauta as lutas sociais do povo. “O PT de volta para a classe trabalhadora” (manifesto) está sustentado na necessidade de o partido acolher a pauta de que ocorre na sociedade. Como nos primórdios, o elo do PT com os movimentos sociais dava vida ao partido. Hoje é muito raro ver um parlamentar ou dirigente do PT presentes nas lutas sociais.

OT: Às vezes ocorre o contrário, há choque de governos do PT com o movimento.

JF – O PT passou a incorporar uma postura contrária à nossa história. Falávamos de boca cheia que éramos contra políticas de ajuste fiscal e defendíamos uma política de desenvolvimento em benefício da maioria do povo. Hoje o PT incorporou a agenda dos outros. Há também uma relação autoritária com o movimento, que às vezes é considerado como um adversário, em muitas das administrações do PT. Recentemente, a presidente Dilma fez desonerações e isenções fiscais. A CUT foi contra esta política que transfere recursos do Estado, do mundo do trabalho, para o capital. Hoje, parte do desequilíbrio que estamos vivendo se deve a isso que, somado ao pagamento de juros, provoca uma sangria de recursos do Estado. Fala-se em perda de cerca de $251 bilhões em desonerações.

OT: Como você vê o segundo mandato de Dilma e agora a resposta dela a Rui Falcão, sobre Levy?

JF: O governo parece ter ânsia em avançar na retirada de direitos. Isso afeta a história do PT. Para taxar o capital é muito tímido. O argumento de que não tem maioria no Congresso é de quem não quer confrontar a elite. Como se fosse possível governar, numa sociedade de classe, sem conflitos. É preciso enfrentar, mobilizar sua base social, nem que seja para perder, pois assim definimos um campo e quem são nossos aliados. Foi positivo Dilma ter ido ao Congresso da CUT, além de Lula. Ela fez um discurso progressista. Mas há uma contradição entre o que disse lá e o que faz. Ao reforçar a política de Levy, entra em choque com o PT e os movimentos sociais. O PT no governo não fez reformas profundas, como a tributária, agrária e na comunicação. Não nego os grandes avanços do governo Lula em várias questões. No entanto, está havendo um retrocesso que vai marcar negativamente a história do PT. Quando eu viajava para congressos e eventos em outros países, falava com entusiasmo que no meu país não tinha ajuste fiscal. Agora estamos órfãos.

OT: O manifesto alerta para o que ocorreu com os partidos de esquerda na Europa.

JF: Os Partidos Socialistas também optaram por reformas neoliberais e entraram em profunda contradição com suas bases e movimentos sociais. Hoje está ocorrendo algo parecido com o PT. Temos que vestir a camisa e evitar que isso ocorra. Eu acredito no PT.

OT: Como o encontro pode ajudar?

JF: Faremos um esforço enorme para que seja um evento expressivo reunindo centenas de sindicalistas filiados ao PT e discutir uma política que estimule o sindicalista a militar no partido. Se necessário, não devemos ter medo de discutir, inclusive, mudanças estatutárias para que os militantes do movimento social voltem a militar no PT. Mas, para aproximar o PT dessa base é preciso mudar a política. Não podemos mais aceitar que da vida do partido só participem assessores preocupados com a reeleição de seu chefe.

OT: Há uma ofensiva contra o PT, a Ação Penal 470 e agora a Lava Jato.

JF: Na época do mensalão eu defendi contra a expulsão de Delúbio, no Diretório Nacional. Foi uma decisão absurda. O PT não defendeu Zé Dirceu, Genoíno, João Paulo e Delúbio, da ofensiva da mídia e do judiciário. Agora, na Lava Jato, está agindo da mesma forma, ao não defender, com competência, o Vaccari. A Lava Jato é perseguição política contra o PT. O Vaccari foi o único indiciado na CPI da Petrobras.  O Cunha, comprovadamente com contas na Suíça, mentiu à CPI e foi excluído do relatório final! As elites, a direita reacionária – muitos desses grupos apoiados por setores ultrarreacionários de fora do país – querem enfiar na cabeça do povo que se esgotou o projeto do PT. Querem desacreditar os trabalhadores de que podem se organizar e ter um partido que os represente. Na realidade, querem nos destruir enquanto classe.

OT: O encontro pode ajudar a destravar a paralisia para defender nossos companheiros?

JF: Queremos ter uma relação respeitosa, mas com muita sinceridade ao apontar os erros do nosso partido. Minha crítica é de quem gosta do PT, quer continuar no PT e melhorar o partido. Os que estão saindo agora, nunca foram petistas.

 

Entrevista publicada no jornal O Trabalho na edição nº 775 de 23 de outubro de 2015.

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