Completam-se neste dia 15 de janeiro de 2018, 99 anos do assassinato dos revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Presos pelo governo alemão, interrogados por agentes do ministro da Guerra, o social-democrata da ala chauvinista e oportunista Gustav Noske, acabaram por serem entregues a um comando de paramilitares Freikorps que assassinou ambos na noite do dia 15 de janeiro de 1919, buscando assim decapitar o movimento revolucionário da classe operária alemã.
Em sua homenagem publicamos abaixo um artigo de Leon Trotski, escrito em 24 de Junho de 1935. Foi originalmente publicado em julho do mesmo ano pelas publicações do Movimento pela 4ª Internacional como o New International (EUA) e La Vérité (França). No Brasil, sua tradução e publicação se deu na publicação em 1979 pela editora Kairós, como introdução ao livro de Rosa Luxemburgo “Greve de Massas, partido e sindicatos”.
Alexandre Linares
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Rosa Luxemburgo e a 4ª Internacional
“ A Liga Spartakus é apenas a parte do proletariado consciente de seu objetivo que indica, a passo e passo, a todas amplas as massas trabalhadoras suas tarefas históricas, defendendo, em cada um dos estágios específicos da revolução, o objetivo final socialista e, em todas as questões nacionais, os interesses da revolução proletária mundial. ”
(O que quer a Liga Spartakus?, 1918)
Tanto na França como em outros países, realiza-se, atualmente, uma tentativa para criar um suposto luxemburguismo que sirva de trincheira aos centristas de esquerda contra os bolchevique-leninistas (1). Esta questão pode adquirir uma grande importância. Será preciso, talvez, escrever, em futuro próximo, um artigo de fundo sobre o luxemburguismo, o verdadeiro eo falso. Agora vou apenas esboçar a questão, traçando suas principais características.
Várias vezes já tomamos a defesa de Rosa Luxemburgo contra os grosseiros e imbecis ataques de Stalin e de sua burocracia. Continuaremos a fazê-lo. Fazendo-o, não obedecemos a quaisquer considerações sentimentais, mas aos preceitos da crítica histórico-materialista. Nossa defesa de Rosa Luxemburgo não é, entretanto, absoluta. Os aspectos frágeis de suas teorias foram colocados a nu teórica e praticamente. As pessoas do SAP (2) e os elementos que lhe são aparentados (ver, por exemplo, o Spartacus francês, diletante e intelectual e que faz “cultura proletária”; ou a revista dos estudantes socialistas que aparece na Bélgica; às vezes também A Ação Socialista belga etc.) só se servem dos lados fracos e das carências que, em Rosa Luxemburgo, não eram, de modo algum, preponderantes. Generalizam e exageram essas fraquezas ao infinito e constroem sobre isso um sistema absurdo. O paradoxo está no fato de que até os próprios stalinistas, em sua nova reviravolta, aproximam-se teoricamente dos lados negativos e desfigurados do luxemburguismo, e nem é preciso mencionar aos centristas tradicionais ou dos centristas de esquerda do campo social-democrata.
É verdade, sem dúvida, que Rosa Luxemburgo opôs com paixão o espontaneísmo das ações das massas à política conservadora da direção social-democrata, particularmente depois da revolução de 1905. Esta oposição era, do começo ao fim, revolucionária e progressista. Rosa Luxemburgo compreendeu e começou a combater bem mais cedo que Lênin o papel de freio do aparelho ossificado do partido e dos sindicatos. Levando em conta o inevitável agravamento das contradições de classes, ela profetizava sempre a barreira estrutural das instâncias oficiais. Sobre essas relações históricas e gerais, Rosa teve razão, pois a revolução de 1918 foi precisamente “espontânea”, isto é, foi realizada pelas massas a despeito de todas as previsões e disposições das cúpulas do partido. Mas, por outro lado, toda a subseqüente história da Alemanha provou amplamente que apenas com o espontaneísmo estamos distantes da chance de podermos vencer: o regime de Hitler é um argumento decisivo contra a afirmação de que sem espontaneísmo não existe absolutamente salvação.
A própria Rosa nunca se limitou à pura teoria do espontaneísmo, à maneira de Parvus que, mais tarde, deveria trocar seu fatalismo socialista-revolucionário pelo mais repugnante oportunismo. Ao contrário de Parvus (3), Rosa Luxemburgo buscava educar antecipadamente a ala revolucionária do proletariado e a organizá-la. Ela construiu na Polônia uma organização independente bastante rígida. No máximo poderíamos dizer que, na concepção histórico-filosófica do movimento operário de Rosa, a seleção preliminar da vanguarda, em relação às ações de massa que deveríamos esperar, não encontrou sua expressão. Ao mesmo tempo em que Lênin, sem se consolar com os prodígios das ações que viriam, unia sem cessar e infatigavelmente os operários de vanguarda uns aos outros, ilegalmente ou legalmente, em organizações de massa ou clandestinas, em células e por meio de um programa rigorosamente delimitado.
A teoria do espontaneísmo de Rosa era uma salutar arma contra o aparelho estagnado do reformismo. Voltando-se às vezes contra o trabalho de Lênin no domínio da construção de um aparelho revolucionário, ela revelava, de maneira embrionária pelo menos, características reacionárias. Mas nela isso era apenas episódico. Ela era muito realista, no sentido revolucionário do termo, para retirar de sua teoria do espontâneo elementos de um sistema metafisicamente acabado. Na prática, ela mesma, a cada instante, punha por terra esta teoria. Após a revolução de novembro de 1918, iniciou com paixão o trabalho de reunir a vanguarda revolucionária. Apesar do seu livro escrito na prisão, mas não publicado, teoricamente bastante fraco, a respeito da revolução soviética, a obra seguinte de Rosa nos permite concluir com certeza que ela se aproximava, cada dia mais, das idéias rigorosamente refletidas de Lenin sobre a direção consciente e o espontaneísmo. Foi certamente também esta circunstância que a impediu de publicar seu escrito, do qual, mais tarde, se abusou de modo tão ignominioso contra a política bolchevique.
Tentemos, porém, aplicar à nossa época a contradição entre a ações de massas espontâneas e o trabalho de organização consciente de seus fins. Foram enormes os gastos em forças e desinteresse que as massas trabalhadoras de todos os países civilizados ou semi-civilizados fizeram desde a guerra mundial! Não encontramos um precedente semelhante em toda a história da humanidade. Nesta medida, Rosa Luxemburgo tinha totalmente razão contra os filisteus e os cretinos do conservadorismo burocrático, “coroado de vitórias”.
Mas, justamente o desperdício dessas incomensuráveis energias constitui um terreno favorável ao enorme refluxo do proletariado e à vitória do fascismo. Podemos afirmar sem qualquer exagero: a situação mundial está determinada pela crise da direção do proletariado. O campo do movimento operário encontra-se ainda bloqueado pelas sobras poderosas das velhas organizações falidas. Depois de numerosas derrotas e desilusões, o grosso do proletariado europeu encontra-se fechado em si mesmo.
O decisivo ensinamento que o proletariado tirou, consciente ou semi-conscientemente, de suas amargas experiências é o seguinte: as grandes ações exigem uma direção à altura. Para as atividades do dia-a-dia os operários continuam a dar seus votos às antigas organizações. Mas apenas seus votos, que não significam, em absoluto, sua confiança ilimitada. Por outro lado, após a lamentável decomposição da Terceira Internacional, tornou-se muito mais difícil incitá-los a confiar em uma nova direção revolucionária. Nessa situação, recitar um monótono canto à glória das ações de massas relegadas a um futuro incerto, com o único fim de se opor a uma seleção consciente dos quadros para uma nova Internacional, significa realizar um trabalho reacionário do começo ao fim.
A crise da direção proletária não pode, evidentemente, ser resolvida por meio de uma fórmula abstrata. Trata-se de um processo cuja duração é extremamente longa. Mas trata-se não apenas de um processo puramente “histórico”, isto é, das condições objetivas da atividade consciente, mas de uma série ininterrupta de medidas ideológicas, políticas e organizativas, tendo em vista unir os melhores elementos, os mais conscientes do proletariado mundial sob uma bandeira sem mácula, de reforçar cada vez mais seu número e sua confiança em si próprios, de desenvolver e aprofundar sua ligação com camadas cada vez mais amplas do proletariado, em uma palavra: conferir novamente ao proletariado, em meio a uma situação nova, extremamente difícil e cheia de responsabilidades, sua direção histórica. Essa nova onda de confusionistas da espontaneidade tem tão pouco direito de fazer apelo a Rosa Luxemburgo quanto os burocratas da Comintern (3ª Internacional) a Lênin. Se deixarmos de lado tudo aquilo que é acessório e já ultrapassado pela evolução, temos todo o direito de colocar nosso trabalho pela 4ª internacional sob o signo dos “três L”, ou seja, não apenas sob o de Lênin, mas igualmente sob o de Luxemburgo e Liebknecht.
Leon Trotsky (1935)
NOTAS
(1) Partidários do movimento pela 4ª Internacional, fundada em 1938.
(2) SAP: Partido Socialista Operário, organização centrista alemã fundada em 1931 como produto da fusão de social-democratas de esquerda e setores do PC. Alguns de seus líderes apoiaram circunstancialmente as propostas de Trotski em 1933 sobre a fundação de uma nova internacional, mas a maioria de seus membros retornou à social-democracia.
(3)Alexander Parvus (1867 – 1924): militante russo que teve notável atuação nas jornadas da revolução de 1905 e posteriormente se desligou completamente da atividade revolucionária. Viveu na Alemanha, tendo se ligado a setores de direita da social-democracia.