Constituição faz 33 anos, em frangalhos

No último dia 5 de outubro, completaram-se 33 anos da promulgação da atual Constituição. Chamada de “Constituição cidadã” pelo presidente do Congresso constituinte que a elaborou, Ulisses Guimarães, torna-se necessário, hoje mais que nunca, entender seu caráter, em que condições veio à luz, como tem sobrevivido e quais as perspectivas que se colocam no momento de uma aguda crise institucional, sob o governo Bolsonaro.

Com esse objetivo, o Diálogo e Ação Petista, em debate realizado dia 9 de outubro, lançou o caderno “A palavra ao povo! A questão da Constituinte Soberana como perspectiva para reconstruir e transformar o Brasil diante da crise das instituições”, com vários textos escritos por membros de seu Comitê Nacional. O caderno ajuda a elucidar essas questões.

Do Colégio Eleitoral à Constituinte de 87/88
A ditadura militar implantada em 1º de abril de 1964 terminou oficialmente 21 anos depois, em 21 de abril de 1985. Porém, como? Com a morte de Tancredo Neves, presidente eleito pelo Colégio Eleitoral dessa mesma ditadura, e a posse de seu vice, José Sarney, que, além do mais, sempre fora um serviçal dos militares.

Assim nasceu a chamada Nova República. Em seu segundo ano de mandato, Sarney baixa o Plano Cruzado, que de início teve grande aceitação popular, principalmente pelo congelamento dos preços. Nas eleições de 1986 seriam escolhidos governadores, senadores, deputados estaduais e deputados federais, estes últimos com a tarefa de elaborar a nova Constituição. Quatro dias depois do pleito, Sarney anuncia o fim do Plano Cruzado, que já fazia água havia muito- mas o estrago estava feito. Os deputados constituintes já estavam eleitos.

A Constituinte de 1987/88 era um arremedo. Num período, os deputados debatiam a nova Constituição a ser redigida; no outro, cumpriam suas tarefas habituais de deputados. O PT estava representado por uma bancada de 16 deputados (3% do Congresso).

A bancada do PT votou contra aquela Constituição, posição endossada pelo Diretório Nacional. Porque ela mantinha a tutela militar (sempre presente, hoje escancarada), não punia os crimes da ditadura, não fazia nenhuma reforma profunda (agrária, do Judiciário, da mídia). Em resumo, não resolvia os problemas que o país enfrentava, apenas respondia a interesses de uma minoria. O PT votou não, mesmo tendo conseguido aprovar algumas conquistas importantes, que não alteravam, porém, o conteúdo da nova Lei.

Também a CUT, em seu 3º Congresso nacional (BH, 1988), adotou resolução se posicionando contrária à “Constituição Cidadã”.

Mudanças para pior
Nesses 33 anos, houve 106 emendas constitucionais. No conjunto, elas constituem ataques aos direitos e conquistas inseridos com muita luta na Constituição.

Foi assim com as várias reformas de Previdência (inclusive no governo Lula), todas com o objetivo de aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição para a aposentadoria), e com as reformas trabalhista e a administrativa (esta, ainda não aprovada) do governo Bolsonaro.

A soberania nacional foi golpeada de rijo, com as quebras dos monopólios estatais do petróleo e gás, telecomunicações e navegação de cabotagem no governo FHC, e com as privatizações de estatais que se seguiram, no Brasil e nos estados: empresas de telefonia, fertilizantes, bancos, etc.

Embora essas mudanças para pior não tenham cessado durante essas mais de três décadas, elas se aprofundaram a partir do golpe que, em 2016, cassou o mandato legítimo da presidente Dilma e levou Lula à condenação, prisão e impedimento de concorrer às eleições de 2018. Vem do governo ilegítimo de Temer a Emenda Constitucional 95 (PEC da Morte), que congelava os investimentos públicos por 20 anos. O resultado desse golpe foi Bolsonaro presidente…

Constituinte na ordem do dia
Em junho de 2013, durante o governo Dilma, um amplo movimento de massas, semi espontâneo, tomava as ruas do país. Iniciado com uma singela palavra de ordem (contra o aumento das tarifas de ônibus), o movimento, de fato, questionava as instituições vigentes. Dilma, com sensibilidade, reagiu propondo a Constituinte Exclusiva da Reforma Política… e recuou, menos de 24 horas depois, sob pressão do vice Temer, futuro golpista, e do STF.

No ano seguinte, algumas forças políticas, entre as quais o DAP, promoveram um plebiscito popular sobre o tema. Com oito milhões de votantes, e quase a totalidade dos votos a favor da convocação da Constituinte.

O resultado foi entregue a Dilma, então candidata à reeleição, mas a coisa não saiu do papel.

Bancada do PT votou contra o texto global da Constituição de 1988

A Constituinte hoje
Em 2017, no 6º Congresso do PT, foi apresentada emenda do DAP para que o PT assumisse a luta pela Constituinte. Em 2018, com Lula preso, o candidato Haddad, em entrevista no Jornal Nacional abandonou a proposta. No 7º Congresso, em 2019, mais uma vez a emenda do DAP foi aprovada. Mas o fato é que as direções do PT resistem a dar este passo.

Isso é resultado da acomodação do PT a essas instituições. O que leva o partido a jogar todas as fichas nas eleições de 2022, a procurar aliados que, sabemos, são os mesmos que participaram ativamente do golpe de 2016- em suma, aqueles em que não podemos depositar nenhuma confiança.

A Constituição atual, que não tem nada de “cidadã”, é a expressão jurídica das atuais instituições, as mesmas que patrocinaram o golpe contra Dilma e a prisão de Lula. É a mesma Constituição que convive com os crimes de Bolsonaro, que se avolumam dia a dia.

Hoje, vivemos a seguinte situação: Bolsonaro prossegue em seu projeto de um poder ilimitado, ancorado nas forças armadas, nas igrejas pentecostais, nas suas milícias. O Judiciário se cala. O Congresso divide-se entre Bolsonaro e a chamada 3ª via, sem que haja entre elas nenhuma divergência sobre a política econômica e social implementada por Bolsonaro.

Os generais estão mais presentes do que nunca. Ocupam os principais cargos da administração, envolvem-se em negociatas e se agarram à sua prerrogativa de “manter a lei e a ordem”, que a Constituição lhes garante.

Hoje, contando com as experiências dos países vizinhos (no Chile, para por em terra a Constituição pinochetista, no Peru, para fazer o mesmo com a Constituição fujimorista), é necessário abrir essa discussão no Brasil.

Convivemos com uma Constituição que não representou nenhuma mudança no sistema de dominação de uma minoria de privilegiados; que vem sendo atacada dia a dia nas poucas conquistas populares nela inscritas; quando Bolsonaro procura, desde o primeiro dia de governo, alçar-se a poderes tais que lhe permitam golpear ainda mais profundamente os direitos dos trabalhadores.

Não há meias medidas. O Brasil precisa de uma transformação profunda, de uma reconstrução. E isso só pode ser feito por uma Assembleia Nacional Constituinte Soberana e Democrática que dê a palavra ao povo, que garanta à maioria o direito de se ouvir e decidir os rumos da Nação.

Roberto Salomão

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