Alemanha: abre-se um novo período

Marc Gauguelin

O resultado das eleições de 18 de setembro no Distrito de Berlin (1), uma semana depois do Distrito de Mecklembourg-Pomerania Ocidental, ainda que previsto, teve o efeito de uma comoção. Revelou o nível de fragilidade de toda a ordem política e institucional da Alemanha.

Uma semana depois de ver-se desbancada pela formação de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha, partido político fundado em 2013, nota do tradutor) Mecklembourg-Pomerania ocidental, a CDU (União Cristã-Democrata, partido político conservador da chanceler Ângela Merkel, nota do tradutor)  que, durante anos, constituiu-se no pivô da ordem burguesa na Alemanha, conhece seu pior resultado desde a guerra. E quando o SPD (Partido Social Democrata, partido de base operária do Ex-chanceler Schröder, nota do tradutor), associado à CDU, no marco do governo da grande coalizão de toda a Alemanha, ainda que termine em primeiro, é o que mais perde votos.

Se a questão dos refugiados ajudou no rechaço expresso nessas eleições, essa é apenas uma das manifestações, ao fim ao cabo, secundária, de uma onda que se expande e que está fazendo cambalear a ordem política da primeira potência imperialista europeia.

Em Berlin, é significativo que os resultados mais importantes da AfD foram conquistados nos bairros pobres da antiga Berlin Ocidental. Assim, depois de 25 anos, os esquecidos da reunificação alemã, confrontados ao desemprego e à precarização a qual os condenou Schröder com sua Agenda 2010; são os berlinenses confrontados à degradação continua dos serviços públicos posta em marcha pela grande coalizão SPD-CDU – da “regra de ouro orçamentária” (acordo assinado em 2010 por 26 países membros da União Europeia, onde se comprometem a ter orçamentos equilibrados ou com superávit em um ciclo econômico, nota do tradutor). São os cidadãos que, uma ou outra vez, abstinham-se nos últimos anos e um bom número dos que, desta vez, decidiram utilizar de maneira provocadora o voto na AfD para que se ouça seu rechaço à essa política.

O que acaba de ocorrer é um alerta de parte dessa fração da população marginalizada nesses vinte anos pelo capital financeiro e seus agentes. E isso porque foi ela quem, ao sublevar-se, impôs a reunificação e, com a classe operária da antiga República Federal da Alemanha (antiga Alemanha Ocidental, capitalista, nota do tradutor) arrancar o reconhecimento de todos os seus direitos: direito ao trabalho, direito à aposentadoria.

Encontramo-nos frente a um giro da história da Alemanha. É o virtual final do jogo de alternância e colaboração da grande coalização SPD-CDU entre os volksparteien (partidos populares) que garantiram a estabilidade do funcionamento das instituições parlamentares da República Federal.

Quando uma organização como AfD ganha da CDU nas eleições de Mecklembourg-Pomerania ocidental e ocorre quase um empate em Berlin, faz-se uma advertência que, um ano antes das eleições federais, revela a velocidade com que o processo de decomposição de todos os partidos políticos se desenvolve, anunciando mais e importantes turbulências.

Frente à crise em que está entrando, a Alemanha não poderá mais seguir associada ao marco das formas institucionais existentes em que estão França, Espanha ou Itália …

Já não estamos em 2003 quando o SPD, ajudado por Oskar Lafontaine, conseguiu desativar a rebelião provocada pela Agenda 2010 de Schröder e canalizar a crise provocada na central sindical DGB.

A operação, cujo principal ator foi o SPD, só pode triunfar porque o imperialismo alemão soube utilizar a competitividade ganha aplicando a desregulamentação da Agenda 2010 para abrir mercados nos países “emergentes”, tanto como na União Europeia. Nos dias de hoje, recessão mundial está fechando todas as possibilidades desse tipo.

É difícil dar uma melhor explicação da guerra sem piedade, numa situação que estão enredados através dos Estados nacionais e os monopólios imperialista que a ameaça feita em 16 de setembro pelo ministro da justiça estadunidense de condenar o Deutsch Bank a pagar uma multa de quatorze bilhões de dólares, que poderia provocar sua quebra.

Depois do ajuizamento contra a Volkswagen, depois de a Alemanha se ver obrigada pelos EUA a associar-se às sansões econômicas contra a Rússia com grave repercussão na economia alemã, um sentimento difuso de inquietação está se instalando em toda a sociedade.

Uma inquietação agravada pela repentina impotência que parece sufocar Ângela Merkel frente aos processos sem controle de desintegração da União Europeia.

O sonho de uma Alemanha protegida dentro de suas fronteiras da crise que devasta a economia mundial através do impulso da competitividade de sua indústria está sendo brutalmente desmentido pelos fatos.

Um novo período político abre-se na Alemanha.

Não são apenas os grandes partidos institucionais – o SPD e o CDU – que estão se desintegrando. São também todas as relações de colaboração institucional entre o capital e o trabalho, a gestão compartilhada (mitbestimmung) que não somente não podem aceitar uma mínima concessão aos trabalhadores, mas também estão comprometidas com a derrubada de todas as conquistas arrancadas durante o período precedente; elas já não correspondem às necessidades da nova situação e entram, de fato, em crise.

Todo o edifício social fundado em um sistema de convenções coletivas do qual o movimento operário alemão sempre foi orgulhoso está ameaçado.

E isso ocorre quando se desencadeia em todos os continentes e, em seguida, na Europa e na Alemanha uma ofensiva destrutiva sem precedentes conduzida pelo capital financeiro.

Alcançaram seus limites, os métodos habituais para resolver os conflitos que surgem no terreno da luta de classes que antes podiam ser arbitrados pela mediação das direções das organizações sindicais nos limites autorizados pela política de colaboração do SPD com os círculos dirigentes do imperialismo e o partido que o representa – o CDU.

As questões colocadas pela multiplicação das greves nesses últimos meses requerem outra resposta, mais que uma mera explicação que “foram malconduzidas” com se tem buscado convencer os trabalhadores e os militantes no dia seguinte às eleições, tentando apontar para as “possibilidades” que se abriria em nível nacional a partir de Berlin a constituição de uma coalizão “vermelho-vermelho-verde” (SPD, Die Linke, Verdes).

Mas que saída se dará as contradições que levaram meses e meses procurando moldar-se em torno das reivindicações apresentadas pelos trabalhadores como da exigência do reestabelecimento das convenções coletivas e a luta contra as privatizações que estão assolando os serviços públicos? Assim como em toda a Europa, como toda a evidência está na ordem-do-dia a questão a questão da emancipação das organizações da classe (os sindicatos) da tutela que tem atado sua sorte à defesa do sistema de exploração capitalista, entre eles, na qual está na primeira fila o SPD e sua direção.

Como se expressará essa exigência imediatamente depois da bofetada que se significaram esses resultados eleitorais? Haverá dentro do SPD, da própria DGB alguém a dizer: “Já basta! Não venham falar-nos do perigo que representa a AfD para pedir que renunciemos às exigências que apresenta a massa de trabalhadores e o povo desse país…. Vocês, desde Schröder e Gabriel são os que, com sua política, a levantaram, de cabo-a-rabo. Vocês são os que levaram a Alemanha ao caos! Nós nos negamos a nos submeter a sua política de desastre”.

Isso tomará outras formas mais diretamente relacionadas ao desenvolvimento da luta de classe num setor particular?

As respostas nos chegaram nas próximas semanas. A classe operária alemã tem uma longa e dolorosa história. Desde o levante que unificou o país viveram todas as traições da era Schröder que Gabriel tentava continuar dando seu apoio à grande coalizão. Ela não as esqueceu.

(1) Os resultados Eleitorais de Berlin:

A votação no Distrito de Berlin é a quinta desde o início do ano; a quinta em que a CDU perde pontos.

Em Berlin, a CDU passa de 23,3% para 17,6% dos votos, um recuo de 5,7 pontos.

O SPD, ainda que siga sendo o primeiro partido mais votado, perde mais: 6,7%, passando de 28,3% para 21,6%.

Die Linke, com 15,6% ganha 3,9 pontos.

Os Verdes perdem mais de dois pontos, com 15,2% dos votos.

A AfD não tinha candidatos em 2011 e consegue 14,15% dos votos em 2016.

Artigo publicado originalmente em Informations Ouvrières (IO) nº 421 (nova série) de 23 de setembro de 2016.

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