A CPI da Covid revelou absurdos, mas que há muito fazem parte da saúde privada do país. Atenção limitada, cuidados limitados, exames e medicamentos prescritos não de acordo com o paciente ou sua melhora, mas sim de acordo com protocolos e pacotes ditados pelas operadoras de saúde. Usados cada vez mais com propósito de apenas reduzir custo e aumentar a lucratividade.
A coerção dos médicos e da equipe de saúde a seguirem metas institucionais definidas através de uma dita “economicidade”. Missão, visão e valores de empresas do setor privado que obrigam, através dos códigos de conduta ética, a submeterem os profissionais de saúde ao contrário desse preceito, sob visão direta e cumplicidade dos órgãos de atuação como o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM).
O ex-médico da Prevent Senior, Walter Correa de Souza Netto, afirmou à Comissão que era obrigado a receitar o chamado kit covid, com medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença. Também alegou ter sido coagido a não usar máscara durante o atendimento aos pacientes.
O comportamento dessa empresa privada aparece em outros depoimentos, que estão sendo recolhidos pelo sindicato da categoria em São Paulo (Simesp). Médicos contratados sem vínculo, através de empresas pejotizadas, são obrigados a assistirem aulas, aonde se “ajustam” ao código de conduta. Na sequência, são obrigados a seguirem os ditos protocolos institucionais e penalizados se não o fizerem. No caso a penalidade para um trabalhador sem contrato é a demissão sumária e sem direitos, traduzida aqui por “retirada da escala de plantões”.
Prevent, Hapvida, Unimed…
Essa realidade não é exclusiva da Prevent. Durante a pandemia foram divulgados casos semelhantes na Hapvida e Unimed em algumas regiões. A precarização do trabalho médico no setor privado vem de vento em popa também. Os plantonistas trabalham por meta, tempo cada vez mais reduzido de atendimento, produtividades insanas, em plantões de 12-24 horas aonde até descanso e alimentação são questionados.
Nesse caos cabe ressaltar que os Conselhos profissionais foram criados para regularem eticamente as condutas perante o profissional de saúde e a sociedade. Mas estes conselhos estão infestados pelo bolsonarismo e interesses da medicina privada. Como ficou constatado em recentes declarações do presidente do CFM, Mauro Luis de Brito. Nas últimas eleições os Conselhos de Medicina regionais e o federal foram tomados por representantes bolsonaristas. No caso de São Paulo a última eleição para o Conselho Regional de Medicina (CREMESP) contou com a inscrição de seis chapas. Venceu a chapa do mais “puro sangue” bolsonarista. Desde então não se houve nem se vê esse Conselho realizar seu dito papel de regular a dita “ética médica”.
Por ordem superior, não interessa a vida
Ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) se disse “indignado” diante das revelações trazidas pelo advogado Tadeu Frederico de Andrade, ex-paciente da Prevent Senior. “Trataram uma vida como se fosse lixo”, disse o médico infectologista. “O que vimos é de uma indignidade e uma desumanidade terríveis”.
Enquanto a saúde for matéria a serviço do lucro para o capital, absurdos como esses continuarão acontecendo. Nossa constituição de 1988 abriu essa brecha ao permitir a dita “saúde complementar” privada. Em 2015 a abertura para o capital estrangeiro colocou na centralidade a financeirização desse setor e aprofundou as aberrações já existentes. Junto à autorização a terceirização irrestrita dos trabalhadores, esse cenário demonstra uma soma de elementos aonde a saúde é cada vez mais ditada pelos lucros do plano/operadora.
Apenas uma saúde pública e para todos, no nosso caso o fortalecimento do SUS, sem interferência do poder econômico e que não vise apenas o lucro, pode reverter as mazelas as quais a saúde privada nos leva.
Juliana Salles