Num inabitual artigo de opinião, Candido Bracher, presidente do Itaú, o maior e mais articulado grupo financeiro da América Latina, diz:
“Podemos não ter um Churchill para nos liderar nesta pandemia, mas isso não impede que, enquanto sociedade e, especialmente, enquanto elite, venhamos a ser julgados no futuro pela maneira como nos comportamos nesta crise. (…) Vivemos um momento excepcional (…) A situação exige nossa união! Devemos estar à altura do momento, pôr a concorrência de quarentena e agir em conjunto. (…) A cultura de doação no Brasil é muito pouco desenvolvida e esta é uma oportunidade de a cultivarmos. (…) A questão da filantropia é um aspecto de nossa cultura que a emergência da crise nos leva a questionar. A distribuição da riqueza, as condições de vida dos mais humildes e a conservação do planeta, clamam por mudança (…) não podemos tolerar que pessoas vivam no estado de vulnerabilidade. (…) Tampouco podemos calar (…). O coronavírus expõe a nossa desigualdade social em níveis de crueldade, que podem corroer o tecido social. A crise nos chama a cuidar da nossa casa. Temos em nós, em nossa sociedade e em nossas instituições, os recursos necessários para responder à altura ao enorme desafio” (O Estado de S. Paulo, 24/04).
“Exposição da desigualdade”
O objetivo do Itaú, aqui, não é fazer propaganda da sua doação de R$ 1 bilhão (pequena e para uma fundação), nem ironizar o nosso Churchill, que se pretende um Duce, como Mussolini.
O objetivo é soar o alarme da união dos seus pares para suspender a “concorrência” (como numa economia de guerra), devido ao medo de que a “exposição (!) da desigualdade corroa o tecido social” e, daí, venha o “julgamento da elite”.
Na linguagem aveludada dos banqueiros, se entende aí uma referência à revolução expropriadora que ele não ousa nominar.
O que se liga a um provável jogo combinado com a Rede Globo.
Há três semanas, o Jornal Nacional inaugurou com matéria sobre a doação do Itaú, uma sessão diária de exaltação dos filantropos privados na pandemia. O JN começa com o horror dos hospitais e cemitérios, passa por alguma nota neutra ou às vezes crítica do governo, mas termina invariavelmente com os anjos privados!
Tudo de bom dentro das “nossas instituições”. Esqueçamos que em São Paulo o número casos de Covid 19 é maior no Morumbi da elite, e o número de mortos é muito maior na Brasilândia do povão. Esqueçamos…
Na verdade, eles temem pelo seu pescoço, e sabem que uma revolta se prepara por baixo da pandemia e da crise. E, daí, tiram as suas conclusões de precaução – uma delas é sobre o que vai à “exposição” pública.
Eles tentam desviar a atenção do distinto público, mas não vão conter a roda da história.
Markus Sokol, em 6 de maio de 2020