França: a revolta dos coletes amarelos contra Macron

Apresentação

Publicamos abaixo o Editorial e materiais extraídos da edição de 12 de dezembro do semanário “Informations Ouvrières” (IO),  órgão do Partido Operário Independente (POI) na França, para dar elementos aos nossos leitores sobre a realidade do movimento dos coletes amarelos que já obrigou o governo Macron a anular medidas que provocaram uma revolta popular legítima que continua.

E continua com a greve do setor Educação ocorrida em 14 de dezembro, em solidariedade aos secundaristas e pelas reivindicações próprias dos professores, e o quinto sábado consecutivo de mobilizações dos coletes amarelos em todo o país em 15 de dezembro.

A tampa da panela de pressão explodiu na França, com impactos em toda a Europa e além dela. Ninguém pode saber até onde irá esse movimento, mas a tarefa da hora é a de trabalhar pela junção da legítima revolta popular dos coletes amarelos com o movimento operário organizado, a serviço da qual, semanalmente o IO coloca as suas páginas.


Editorial do IO 533

Macron: os patrões não pagarão nada

Dominique Canut, do secretariado nacional do POI

De maneira solene, segunda-feira à noite, Emmanuel Macron anunciou um certo número de medidas que demostram que, sim, é possível fazer seu governo recuar. Mas isso seria suficiente? Evidentemente NÃO!

Os coletes amarelos e o movimento operário consideram, com razão, que essas medidas não dão conta da situação. Pior ainda, eles sabem que serão os assalariados, os trabalhadores e aposentados, que pagarão essas medidas.

O “aumento do salário mínimo” é uma mentira: o seu valor por hora trabalhada não aumenta, trata-se dos prêmios de atividade. O que será feito sem que o patronato coloque a mão no bolso. As horas extra isentas de impostos, como já havia feito Sarkozy em 2007 e 2012, serão “dessocializadas”, isto é, isentas de cotizações sociais e patronais. Para além do fato que as horas extra são geradoras de desemprego, quem é que faz horas extra regularmente?

Nada que diga respeito aos aposentados que viram seu poder aquisitivo desabar e suas pensões serem desindexadas do aumento de preços. Vinte e cinco euros, é esse o “presente” de Macron ao restituir o aumento da CSG (taxa cobrada dos aposentados, NDT) – e não para todos, apenas para os que tem uma pensão até 2.000 euros. Nenhum aumento de índice para os 5,2 milhões de funcionários…

As desonerações para os patrões continuam, nenhum centavo sairá de seus bolsos. É, uma vez mais, a sacralização do capital. Mas, a fraude, a evasão e a “otimização” fiscais e todas as medidas ditas “pelo emprego”, avaliadas em centenas de milhões de euros, deram quais resultados?

Vai incumbir à solidariedade nacional autofinanciar-se. Serão os trabalhadores, os jovens, os aposentados que deverão pagar as medidas anunciadas por Macron. E ele anuncia desde já que será preciso manter a meta do orçamento para ficar no limite de 3% de déficit exigido por Bruxelas (sede da União Europeia, NDT). Isto é, menos serviços públicos, menos funcionários, menos escolas públicas, menos hospitais, menos de tudo! Macron continua com sua lógica, ele apela até mesmo à ajuda dos partidos políticos e das direções das organizações sindicais para que, ao final das contas, os ultra-ricos sejam sempre os mais pretegidos.

Mas os coletes amarelos não se deixam enganar, eles continuam determinados, sua mobilização segue intacta e eles não renunciam à ação. “Macron, demissão”, esse clamor concentra em si mesmo toda a raiva que expressam os coletes amarelos.

Da mesma forma, nas empresas e serviços se organizam assembleias gerais com as organizações sindicais para qualificar as reivindicações e decidir os meios, inclusive a greve, para obtê-las.

Macron não anunciou nada no que diz respeito às reivindicações dos secundaristas, sobre a reforma do bac (nível escolar pré-universitário, NDT), sobre o Parcoursup (aplicativo para a escolha de cursos superiores, NDT) etc, quando essas reivindicações estão profundamente ancoradas junto aos secundaristas. Sua única palavra de ordem: os patrões não pagarão nada. De uma forma ou de outra, a junção entre os coletes amarelos e o movimento operário se organiza e parece agora inevitável.


Macron, o ilusionista sobre um vulcão

Título da página 2 do IO 533, que traz as notas reproduzidas abaixo

Pânico na alta cúpula do Estado

Jacques Buisson

Na semana passada, o primeiro ministro anunciou uma moratória sobre o aumento das taxas sobre combustíveis, gás e eletricidade.

No mesmo momento, a mobilização dos “coletes amarelos” ganhava a juventude, os secundaristas, cuja mobilização aumenta dia a dia, apesar de uma brutal repressão.

No dia seguinte ao anúncio de seu primeiro ministro, o chefe de Estado, na correria, é obrigado a decidir pela anulação pura e simples do aumento das taxas.

A força liberada pela raiva que há três semanas se expressa na revolta e na aspiração de milhões e milhões, foi o que obrigou o poder a um recuo.

Novamente, particularmente sábado (8 de dezembro), em toda a França, numa atmosfera de quase estado de sítio, os “coletes amarelos” se mobilizaram.

Acuado, o presidente da República, em 10 de dezembro, faz novos anúncios para dar a ilusão de que tenta responder à revolta.


“Peste marrom”?

Macron, há meses, não para de se apresentar como o defensor dos “valores democráticos” contra a ascensão dos nacionalismos.

Acerca dos coletes amarelos, ele deu um alarme sobre a ascensão de uma peste marrom (cor histórica do fascismo, NDT). Foi ele que declarou na TV: “Eu quero que nos coloquemos de acordo, a nação consigo mesma, sobre o que é a sua identidade profunda, que abordemos a questão da imigração, que é preciso afrontar”.

O que ele está procurando?


Um debate nacional por “um novo contrato social”

O clima de pânico (na cúpula do governo e dos patrões, NDT) é que explica o anunciado por Macron sobre a organização de um amplo debate nacional, desdobrado em todas as regiões, tendo em vista definir um “novo contrato social”. Impostos, organização do Estado, descentralização e serviços públicos deveriam assim ser objeto de amplas concertações, com o objetivo de associar eleitos – em particular os  prefeitos -, organizações sindicais e patronais, associações…

Diante dessa cortina de fumaça, dessa vontade de “salvar o essencial” para “prosseguir a transformação do país”, vamos ver em todas as reportagens publicadas neste jornal a força e profundidade do movimento que veio de baixo e que diz: “Não queremos mais!”

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